domingo, 10 de dezembro de 2017

O símbolo das eras

(poema premiado no concurso Flávio Ferrarini, promovido pela prefeitura de Flores da Cunha)

Dionísio
Do ventre de Sêmele
O Deus dos deuses da antiga civilização grega fez surgir
Salvando da ira de Hera
Seu tão ilustre rebento
Que no mundo mitológico
Fez do vinho seu legado
O seu liquido sagrado
Que os amantes e os poetas inspirou
Desde os tempos tão remotos
Foi seu gosto que criou a arte
Arte de sentir, de expressar
Arte de amar
Sob um róseo cálice
Residem os desejos do homem
Escondido sob os braços de Dionísio
Todas as armas e sentidos
Que somente o profano líquido sagrado
Pode ofertar
Dionísio, deus do vinho
Tentador, inspirador, único
Que arde em um cálice cheio
Cheio de histórias para contar...
Bacco
Histórias se fundem sob o amargo gosto
De longe, das videiras, ele observa
Fertilizando a terra, adubando a alma
É Bacco quem os guia
Os homens de coração aberto
Que na antiga Roma fazem dos seus sentidos sua obra
Escarlate, o líquido brilha no cálice
Como elixir da alma
Dando-lhes a sensibilidade de se deixar amar
É Bacco quem os guia
Sob o reflexo do vinho
Dá gosto e adocica os dissabores da vida
Marcando a história daqueles que presenteiam seu paladar
E fazem de sua existência a pura expressão da arte
A arte de viver e amar...
Sagrado o líquido que inspira os poetas
E provoca os amantes
Profano é o deus que expressa
Na forma do vinho
A comprovação do seu poder sobre os homens
De fazê-los, a seu gosto
Sentir no âmago a forma mais selvagem de ser
Buscando no fundo do cálice
A cura de todas as dores
E o valioso segredo
De todos os amores...
Jesus
E dos grandes amores veio o símbolo maior
Aquele que perdura sobre todas as culturas
Mas que trouxe consigo a expressão mais antiga
Dos anseios apaixonados dos homens
O mártir sagrado
Que fez do vinho seu sangue
Do pão sua carne
Do amor seu legado
Jesus, o rei dos reis
Depositou seus ensinamentos no cálice sagrado
E no vinho faz-se vivo
O único ser humano símbolo das eras
De carne, osso e coração
Ensina que em suas veias corre
O mesmo líquido que nos mais remotos tempos
Levavam ao paraíso amantes e poetas
E seu sangue permanecerá através dos tempos
Como símbolo de fé e amor
Como remédio para todas as dores
E ficará na história do homem
Como o banho de paixão
Que limpa a alma
Que constrói a vida
Que orienta o coração
E que passe a eternidade
Lá estará um cálice com o líquido sagrado
Guiando o destino da humanidade.



domingo, 15 de outubro de 2017

Ao pior professor que eu já tive

                Hoje, 15 de outubro, resolvi fazer diferente. A minha última homenagem ao dia dos professores foi à professora que me alfabetizou; também já homenageei o professor que se tornou um amigo pessoal e a amizade perdura 16 anos. Hoje, entretanto, a mensagem vai ao pior professor que já tive. Não vou chamar de homenagem, mas vamos dizer que isso é uma carta aberta a ele.

Prezado pior professor que já tive


                Hoje, com uma pequena ponta de ironia nessa voz que está silenciosa pois escreve, te agradeço. Não, eu não sou nem um pouco grata às vezes que procurei a reitoria pedindo socorro porque seu poder hierárquico sobre mim me impedia de me defender do seu assédio moral em sala de aula porque seu desprezo por mim poderia me tirar minha bolsa.

                Não sou igualmente grata às aulas idênticas que tive nas diversas disciplinas que fui obrigada a estudar com você. Tampouco sou grata ao seu desinteresse em nosso aprendizado, seu sarcasmo barato, suas exigências descabidas, suas “piadas” constrangedoras e sua mania de humilhar publicamente os alunos de menor rendimento.

                O motivo que me leva a escrever para você no dia em que eu deveria homenagear os meus excelentes professores nessa jornada que inclui, além de 11 anos de escola, 3 graduações, 1 pós e uma imensidão de cursos, é que a nossa péssima relação deixou ainda mais evidente e gritante a qualidade daqueles que efetivamente abraçam a docência como uma formação de profissionais e cidadão, e não como sua câmara particular de tortura psicológica.

                A cada pequena humilhação que passei sob seu comando, lembrei de cada palavra de incentivo que recebi dos meus bons professores. A cada piada estúpida, lembrei do humor inteligente de tantos deles que faziam a turma rir sem que ninguém se encolhesse em sua classe desejando sair correndo de lá. A cada trabalho absurdo, sem condições de realização e sem base anterior para tal, lembrei de cada professor que me desafiou e me fez ter um prazer imenso vencendo desafios viáveis e engrandecedores.

                E tudo isso, professor, me fez ser grata não a ti, mas ao fato de que, em 30 anos como estudante – seja de cursos longos ou curtos – você foi o único a merecer essa carta. Isso, na realidade, me facilitou meu trabalho hoje, porque se eu tivesse que relembrar cada coisa boa que vivi ao lado de cada professor maravilhoso que tive, esse texto não ficaria pronto a tempo de postar hoje.

                Então, pior professor que tive, essa carta vai a você, mas a homenagem vai a absolutamente todos os outros que passaram pela minha vida deixando marcas tão opostas às suas.

                E obrigada, pior professor que tive, por me mostrar na prática tudo o que eu não quero ser para meus alunos se algum dia eu realizar o desejo de ser professora. Viu só como nem tudo o que eu vivi contigo foi de todo ruim?

                Mas não, eu não te desejo mal algum. Só desejo de todo coração que você continue sendo o único.


domingo, 17 de setembro de 2017

O gosto pela escrita

                Pra quem não sabe, já faz uns bons anos que tenho um blog voltado à marca Coca-Cola. Logo que comecei, as atualizações eram bem frequentes, tipo duas vezes por semana, mas eu estava desempregada na época, hoje a coisa complicou e o blog ficou quase voltado à divulgação dos parceiros que conquistei nessa jornada.

                Um desses parceiros foi a Molin, marca de materiais escolares e de escritório. Ao longo de 3 anos, recebi kits de produtos licenciados da Coca-Cola, testei, usei e aprovei.

                Só que tristemente a Molin e a Coca-Cola romperam, e toda separação tem uma perda, tipo meu blog, que não mais falará de uma marca tão boa. Mas bons relacionamentos perduram rompimentos e a Molin decidiu continuar me apoiando, mas como escritora e não mais como fanática por Coca-Cola!

                E foi assim que eu recebi um kit maravilhoso cheio de coisa linda!



                A partir daí, hora de testar tudo, claro. A experiência não podia ter sido melhor! Eu tenho problemas em usar lápis porque me deixa arrepiada o com que o lápis faz contra o papel, mas já tinha notado que parecia mais fácil desde a coleção da Coca-Cola. Essa nova que eu testei, coleção Love, me pareceu ainda melhor.

                A impossibilidade de escrever à lápis era uma coisa que me incomodava, porque toda escrita é experimental e foi um dos motivos pelos quais eu migrei mais fácil para o computador. Mudanças dos tempos, tecnologia, não sei, só sei que minha experiência com esses lápis foi incomparável.

                Bom, com a borracha também, até porque a marca no papel é feia, borracha ruim dificulta a experiência, o que, definitivamente, não é o caso da Molin.



                Uma experiência à parte foram as canetas. É sério, pode parecer bobagem, mas não é tão simples quanto parece encontrar uma caneta REALMENTE boa. E por boa, vários aspectos são considerados: tonalidade da tinta, leveza na escrita, quantidade de tinta que sai, velocidade em que a tinta seca...

                Eu sou canhota, então o cuidado deve ser ainda maior, porque geralmente as canetas de azul mais escuro – minhas favoritas – e mais leves pra escrever são as molhadas, que eu não posso usar porque borro tudo. E dependendo do quão molhadas elas são, elas vazam mais fácil e geram um senhor estrago.

                A mim geralmente sobram as pontas secas, que liberam pouca tinta, o que, além de tornar a escrita mais dura e áspera, ainda facilitam as falhas, já que a tinta é liberada com mais dificuldade.

                A coleção da Coca-Cola era boa, usei muito e não tenho exatamente reclamações, meu grande problema com ela era a ponta grossa. Tenho letra pequena e ponta grossa não ajuda, mas isso era totalmente uma questão minha, já que a caneta é boa e muita gente prefere ponta grossa, até porque o catálogo da Molin é cheio de pontas finas.

                Por causa disso, eu não sabia bem o que esperar das canetas que chegaram. Qualidade sim, já são 3 anos de boas experiências, mas será que essas seriam redondinhas pra toda a minha chatice, digo, necessidade?

                Daí eu encostei a caneta no papel.



                Um mundo inteiro se abriu pra mim ao redigir a primeira frase.

                Não, a caneta não é boa. Ela é perfeita. Deu vontade dormir abraçada nela. Meu Deus, vocês não sabem como é difícil achar uma caneta boa! Cansei de ir na papelaria e comprar 10, 15 canetas, na esperança que pelo menos uma atendesse minha expectativa a longo prazo! E de repente, em minhas mãos, a caneta que eu busquei a vida toda.

                Sim, parece exagero. Não, não é.

                Eu terminei essa experiência com lágrimas nos olhos.

                No mesmo dia escrevi pra moça que é meu contato da Molin e pedi gentilmente que nunca deixem de me enviar canetas porque a partir desse momento, eu só escreverei com elas. Pra sempre. Eu to apaixonada.



                Mas a coisa foi além. Vieram os marcadores de página que eu já botei em uso, aqueles magnéticos fofíssimos, mas vieram também os clipes poderosos e eu enfim coloquei em prática o plano antigo de fazer, no meu próprio e minúsculo quarto, um varal poético.

                Ficou muito gracioso e vou ampliar a experiência, já que os clipes são bem firmes e eu realmente não tenho espaço no meu quarto, vou criar novos varais no meu guarda-roupas para servir de mural para o meu material do TCC.




                Mas os clipes não servem apenas como clipes, eles também podem virar suporte de plaquinhas, como fiz com essa singela propaganda do meu livro. Essas fotos viraram um gif e foram para o facebook (quem quiser comprar o livro, me procura no Escritora Maya Falks).







                O resumo da coisa toda sou eu mandando indireta pra Molin porque fiquei fominha, quero experimentar tudo. #MolindoBrasil #ogostopelaescrita

sábado, 29 de julho de 2017

Meus 35 melhores momentos

Hoje completo 35 anos de vida. Para celebrar, vou listar os 35 melhores momentos da minha vida, não necessariamente em ordem cronológica.

1. Finalzinho de dezembro de 1989, ganhei o caderno onde escrevi meu primeiro “livro” (entre aspas porque ele só tinha 15 folhas, mas eu só tinha 7 anos, então...)
2. Naquele momento, ainda criança, que escrevi minha primeira poesia
3. Quando recebi meu segundo “livro” datilografado (mandamos datilografar fora, não existia computador)
4. Quando fui buscar ele na encadernação e o tio da gráfica disse que uma professora de Letras viu e falou que eu tinha potencial
5. Quando me formei do ensino médio e me livrei daquela tortura sem fim
6. Quando passei no vestibular para Publicidade e Propaganda sem estudar uma linha porque massacrei na redação depois de um terceiro ano sendo boicotada e humilhada pela professora dessa disciplina
7. Festival Mundial de Publicidade de Gramado de 2003. Foram 3 dos melhores dias da minha vida e trouxeram mais meio ano de felicidades
8. Meu primeiro prêmio literário, em 2006, depois de eu ter que lutar pra poder escrever
9. Quando acabei de escrever o Depois de Tudo, em março de 2007
10. Em julho de 2007, quando conheci meu único ídolo do esporte, Fernandão, falecido em 2015
11. 19 de julho de 2008, o nascimento da minha sobrinha e afilhada, Georgia
12. 11 de junho de 2009, quando conheci ao vivo meu melhor amigo, já nos conhecíamos pela internet
13. Maio de 2010, quando consegui meu primeiro emprego na capital
14. Aluguel do meu apartamento, em 2011
15. As dezenas de shows da Reação em Cadeia que fui como membro do fã-clube, centenas de histórias que ainda vão virar livro
16. A segunda vez que encontrei meu melhor amigo ao vivo
17. O show da Lady Gaga
18. A minha viagem à Disney aos 16 anos
19. Quando uma rede de contatos me levou à filha de um imortal da Academia Maranhense de Letras que me enviou por correio uma cópia de um livro esgotado sobre o amor de Gonçalves Dias e Ana Amélia
20. Quando recebi o primeiro e-mail de editora aprovando meus originais
21. Março de 2015, o lançamento do Depois de Tudo
22. Maio de 2015 quando recebi a ligação informando que tinha ganho em duas categorias o concurso literário da prefeitura. Eu já acumulava alguns prêmios, mas esse era meu sonho de infância
23. Quando eu fui com a minha irmã ver um jogo da Copa do Mundo no Beira Rio a convite da Coca-Cola
24. Agosto de 2015, o nascimento do meu sobrinho, Murilo
25. Março de 2016, quando escrevi o Histórias de Minha Morte
26. Agosto de 2016, quando o Histórias foi aprovado no edital
27. Novembro de 2016, quando o Histórias foi oficializado como vencedor do edital
28. Quando uma editora me convidou para reeditar o Depois de Tudo
29. Quando uma editora me convidou para publicar um livro de poesias
30. Abril de 2017, quando lancei o Histórias de Minha Morte e o Versos e Outras Insanidades
31. Quando descobri, em junho de 2016, que poderia migrar do direito para o jornalismo sem afetar minha bolsa
32. Quando consegui construir meu minimetragem com imagens enviadas não apenas de todo o país, mas até de fora dele
33. Quando meu minimetragem se tornou o trabalho mais visitado da mostra da faculdade
34. Quando eu recebi de presente uma edição de 1909 de uma obra póstuma de Gonçalves Dias
35. Quando Jarid Arraes me mandou o prefácio para o Histórias de Minha Morte

Caramba, não foi fácil. Quando cheguei aos 25, me apavorei porque achei que não chegaria aos 35 (itens, no caso, não anos), mas aí cheguei e percebi que faltou MUITA coisa. A verdade é que cada vez que sou citada e lembrada como artista, como escritora, aquele momento se torna um momento digno dessa lista. Toda vez que alguém me conta que se emocionou com meu trabalho, que comprou um livro meu, que gostou dele, é um momento especial que merecia estar nessa lista.

E venho recebendo muitas reações incríveis desde o lançamento do Histórias e do Versos, e tudo isso tem sido um combustível forte pra eu continuar. Cada manifestação, cada demonstração de carinho torna o momento especial.

E então eu, que achei que não teria 35 itens pra citar, percebi que a lista ficou pequena para a quantidade de bons momentos que vocês, leitores, andam me proporcionando.

Muito obrigada por tudo, você são meu motivo.

quinta-feira, 4 de maio de 2017

SOBREVIVÊNCIA - A fuga


                Eu os amava e não era pouco. Não vou dizer que beirava à insanidade porque na verdade já tinha ultrapassado esse limite. Eu passava o ano todo esperando para encontra-los, mas eles definitivamente não tinham essa mesma expectativa por mim.

                Era verão, mais precisamente o verão de 1991, que eu os conheci. Minha avó era dona de uma casa em uma praiasinha no litoral norte do RS. Uma das primeiras casas que foram construídas na praia, diga-se. Minha avó teve 4 filhos, um mora no Rio de Janeiro há algumas décadas, então os 3 irmãos restantes e suas famílias dividiam a casa em questão.

                Eu estava com 8 anos nessa época e as coisas iam bem, então, para não termos que ficar pouco tempo na praia pra ceder a casa à família seguinte, meu pai decidiu alugar uma ali perto. Bem perto, inclusive; pelo quintal da casa da minha avó, passando pelo quintal da casa vizinha – que era de esquina – bastava atravessar a rua e dar meia dúzia de passos para chegar à porta da casa alugada.

                Apesar de praticamente colada na casa onde veraneei até ali, a casa alugada trouxe todo um universo novo pra mim. Eu estava fazendo um dramalhão danado por estar “longe” dos amiguinhos quando os vizinhos da casa alugada me chamaram pra brincar. Esconde-esconde, e o “bando” era o pilar da casa ao lado da alugada, onde veraneava aquele que foi minha paixão adolescente mais duradoura (eu já tinha passado dos 20 anos quando efetivamente o sentimento se dissipou de vez).

                Do outro lado da rua veraneavam um casal de primos e um casal de irmãos que completava a “turminha”. Ao longo dos anos essa configuração mudou bastante até que eu mesma não pertencesse mais ao grupo, mas até ali, éramos nós 6. O foco aqui, na verdade, fica muito mais nos irmãos e no “crush”. Eu os venerava pela inteligência, pela conversa, pela maturidade que eu enxergava neles e eles viraram semi-deuses pra mim.

                O crush era uns 3 anos mais velho, os irmãos iam mais pra cima ainda, então quando chegávamos na praia, a cada verão, eles estavam com um acervo ainda maior de conhecimento, e eu estava sempre ávida por esse conhecimento. Eram longas noites falando de literatura e filosofia. Eles declamavam Augusto dos Anjos e eu babava.

                Só que, numa certa altura da adolescência, a diferença de idade pesa.

                Entrei na fase de rechear a agenda de recortes de revista e versinhos enquanto eles liam Goethe e aprendiam alemão. Eles eram altos, iam pra balada durante o ano e eu era a baixinha gorda monocelha que escrevia poesia pra um crush adolescente que achava tudo aquilo patético. Eu gastava minha mesada comprando ficha de fliperama para eles jogarem com esperança que assim eles gostassem de mim.

                Não os estou culpando pelos meus sentimentos, nem pelas fichas de fliperama, tampouco os culpo por não terem sido capazes de efetivamente gostar de mim, mas os culpo sim por inúmeras situações constrangedoras que me fizeram passar, se aproveitando da ciência de que eu faria tudo o que quisessem.

                Foi uma dessas situações que me marcou.

                Como disse antes, cheguei naquele momento da adolescência que a moda era ter uma agenda cheia de bugiganga; quanto maior ela ficasse, maior o status. Então a gente colava praticamente objetos inteiros, como clipes em forma de prendedor pra anexar uma foto, ou um laço de um presente; enfim, a agenda ficava gigante e o orgulho também.

                Eu trabalhava o ano inteiro pra deixar a minha agenda bem artística. Fazia colagens e poemas, cada página era uma surpresa, e eu gostava de mostrar pra todo mundo. Imagina se eu não chegava na praia cheia de expectativa pra mostrar minha agenda para meus semi-deuses? Especialmente porque além da trabalheira toda de criatividade nas colagens, tinha muito texto meu lá
.
                Quando eu tinha algo em torno de 12 ou 13 anos, no máximo, falei da minha agenda na casa dos irmãos. Estávamos em vários lá, umas 5 ou 6 pessoas além de mim, e me convidaram a buscar minha agenda em casa, pra mostrar minhas colagens e meus versos. Eu literalmente fui correndo em casa buscar, feliz, faceira, realizada, eu mostraria meu trabalho aos meus ídolos! Que chance de mostrar a eles que eu também era inteligente e criativa!

                Lembro que eu mal cabia em mim mesma de alegria, voltei lá abraçada na minha agenda repetindo na minha cabeça o que eu diria a eles nas páginas principais – reservei as páginas de aniversário deles para os trabalhos mais caprichados – quando cheguei na frente da casa e me deparei com a varanda vazia.

                Vazia.

                Sequer as cadeiras estavam lá. Entrei e bati na porta. Ninguém atendeu. Do outro lado da rua, em outra varanda, pessoas riam. Não sei quanto tempo passou, mas pra mim foi uma eternidade até que uma dessas pessoas, com pena, avisou que eles tinham saído todos em direção ao centro tão logo eu virei a esquina.

                Fiquei sem reação. Nenhuma. Segui rumo ao centro, ainda abraçada na enorme agenda mas com o pensamento em ebulição, segurando o choro. Dobrei a rua e fui até a esquina seguinte, que dava exatamente para a porta do fliperama. Eles estavam lá. Todos eles. O primeiro que me viu gargalhou e cutucou os demais, que me viram parada, na outra esquina, abraçada na agenda e certamente vermelha de vergonha. Todos riram. Nos dias seguintes alguém me disse que era pra eu relaxar, era só brincadeira.

                Aconteceu mais 2 ou 3 vezes, nos anos seguintes, de me pedirem pra buscar algo em casa e fugirem correndo na minha ausência, mas eu ainda levei alguns anos pra me afastar. O bizarro é que, quando eu finalmente me afastei, me procuraram pra saber o que houve.

                Depois de adultos voltamos a ser amigos, daquele jeito meio “oi tudo bem, vamos marcar alguma coisa hora dessas”. O crush, que hoje é casado e pai de família, acabou anos depois me pedindo desculpas. Me pegou de surpresa, inclusive. Certa noite, na varanda da casa dele, me disse “a gente era ruim contigo, né? Desculpe por isso, tu não merecia”.  De todos que me fizeram mal, apenas ele me pediu desculpa.


                Não, eu não espero que mais alguém tenha a mesma atitude que ele, mas garanto que reconhecer o que fez e pedir desculpas não o fez mal algum, e ajudou a cicatrizar as feridas que ele mesmo ajudou a abrir.
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SOBREVIVÊNCIA não é uma série de ficção.

sábado, 22 de abril de 2017

Aquilo que era pra ser

                Em plena era da informação, levei 2 semanas pra fazer esse post. Culpem minha infância na base da enciclopédia.

                Bom, tudo tem seu tempo, sua hora, devo dizer o mesmo pra esse post 2 semanas atrasado no semestre que eu desaprendi a dormir. Escrevo esse texto ao som de Numb – Linkin Park, a mesma trilha que usei ao longo dos 10 dias em que mergulhei no obscuro universo de Leandra e produzi Histórias de Minha Morte, sem dúvida a obra mais complexa e profunda que já escrevi nesses mais de 30 anos de literatura.

                Leandra me invadiu com a força de uma tormenta – exatamente como foi sua fictícia e sofrida vida. Leandra, em sua morte, me fez revisitar meus próprios fantasmas e monstros e me ensinou a força avassaladora do perdão. Leandra me desafiou a melhorar como pessoa e como escritora porque a história dela não podia ser contada de qualquer maneira.

                Aqui, nesse espaço, em celebração ao lançamento de Histórias de Minha Morte, vou contar essa trajetória que começou, oficialmente, no dia 11 de março de 2016, mas cujas sementes haviam sido plantadas muito antes.


Das origens

                A minha literatura é galgada na dor. Não poderia ser diferente para uma pessoa que começou a sofrer bullying no jardim de infância. Antes de eu entender a literatura como um ofício, ela era pra mim uma forma de sobreviver. Não apenas no aspecto de exorcizar meus demônios, mas para eu ter um lugar seguro para viver.

                Quando eu tinha um livro ou um caderno na mão, em me sentia um pouco menos sozinha, um pouco menos vulnerável porque a literatura me protegia. Ela não impedia que eu fosse ferida, mas tornava a dor um pouco menos aguda.

                A questão é que não apenas eu dependia da literatura pra sobreviver, mas também eu percebia o “contar histórias” como algo fácil, prazeroso e do qual eu parecia me virar muito bem.

                Os temas sociais acabaram penetrando na minha literatura com essa mesma naturalidade. Falar de dor se tornou um “falar de todas as dores”. Embora na adolescência eu tenha me voltado muito ao romantismo dos amores perdidos e platônicos, eu já tinha um olho bem aberto para uma realidade que não era a minha.

                Foi assim que o racismo entrou na minha vida, na vida de uma menina branca: percebendo a exclusão ao meu redor. A melhor amiga de infância não foi uma escolha de nenhuma das duas: éramos excluídas e nos unimos pra nos fortalecermos.

                Pela minha vivência com exclusão e pela minha revolta com a maneira como a sociedade trata as pessoas negras, enegrecer minha personagem principal aconteceu com a naturalidade que todo protagonismo negro deveria ser em um país com maioria negra.


A inspiração

                Antes de passar pela minha cabeça escrever Histórias de Minha Morte, eu vinha trabalhando em um projeto de nome “Desde sempre, para sempre”, cuja narrativa trazia, em sua primeira fase, um personagem inspirado no poeta Gonçalves Dias – não é novidade para ninguém que acompanha meu trabalho que Gonçalves Dias é meu autor favorito tipo amor insano mesmo – e para isso li algumas biografias dele.

Quadro na parede do meu quarto

                Numa dessas, soube que ele foi dado como morto uns anos antes de bater as botas de fato porque o navio onde ele foi transportado à Portugal, severamente doente, ficou preso no porto em quarentena; o que acontecia quando algum passageiro morria a bordo. A notícia da quarentena chegou ao Brasil, mas os passageiros ficavam incomunicáveis, o que tornou impossível que o poeta desse qualquer sinal de vida aos amigos por aqui.

                Considerando a condição delicada de saúde em que ele se encontrava, a conclusão de que o morto era ele foi imediata e o país entrou em luto. Foram-se meses para ser desfeita a confusão e Gonçalves Dias achou graça; dizia ao melhor amigo que intencionava escrever um livro onde relataria suas experiências pós-morte (só que não). O fato é que não se sabe se ele apenas brincou com a situação ou se pretendia mesmo escrever, porém, sua morte real veio não muito depois e a tal brincadeira nunca se concretizou.

                Achei o episódio fascinante, mas não pensei mais nisso até que meu mundo desabou. Mas DESABOU. “Desde sempre, para sempre” foi abandonado (será retomado, oportunamente) e eu me foquei em sobreviver à tormenta que se abateu sobre a minha vida. No release oficial do meu lançamento, minha assessora de imprensa se referiu ao episódio que culminou na escrita do livro como “forte crise existencial”. Achei fofo, mas não foi isso. Foi imensamente pior.

Depois do inferno

                Independentemente do que aconteceu naquele período, eu sobrevivi. E foi exatamente quando me senti viva outra vez que comecei a escrever o livro. 11 de março de 2016. Foi o dia que abri aquele documento do word, porque a história esteve em mim a vida toda.


10 dias

                Antes de mais nada, ISSO NÃO É NORMAL. Escrever um livro em 10 dias pode ser um senhor tiro no pé e, de forma geral, é exatamente isso. Toda história que merece ser contada, merece ser bem trabalhada e eu, pessoalmente, sou muito contra jogar pro mundo uma obra escrita em menos tempo que uma pessoa leva pra ler.

                Mas... aconteceu. Bom, sendo completamente transparente, o texto escrito em 10 dias foi o texto aprovado pela comissão, mas não é exatamente o mesmo texto que foi publicado. Depois de me inscrever no projeto (já conto tudo isso) eu revisei mais de 10 vezes o livro – e não me refiro à revisão gramatical, falo de conteúdo mesmo. Pra se ter uma ideia, o texto original tinha, no word, 110 página, o final tinha 160. Então todo esse processo fundamental de revisão e arredondamento ele teve também.

                O causo é que, como eu disse antes, o livro me veio depois de sobreviver ao inferno, e eu entrei de fato na pele da Leandra, e eu vivi intensamente cada uma das dores dela. Ou seja, eu me enfiei de volta no inferno (por isso meu melhor amigo se recusou a ler o livro) pra encontrar minha redenção com ela (por isso eu to tentando convencer ele a ler). Por uma questão de sobrevivência (de novo) eu não podia protelar a redação do livro.

                Na época as aulas tinham recém começado, eu era estagiária de um escritório de advocacia e estava no que seria meu último semestre de direito (não, eu não me formei, eu fugi mesmo, hoje estudo jornalismo), e eu já sabia que seria o último. Exatamente por isso que minha professora de contratos me botou pra correr da aula por duas semanas, pra eu poder ir pra casa mais cedo e continuar escrevendo o livro. Não é por menos que ela é nominalmente citada nele.

                Depois de toda a experiência com quase 10 anos de remo com o meu primeiro livro, Depois de Tudo, transformado praticamente em peso de porta pela editora que me aprovou, resolvi seguir o conselho da grande escritora Leticia Wierzschowski, para quem pedi socorro, e submeter meu livro a um edital público de fomento à cultura – o qual, na minha cidade, é chamado de Financiarte. Comentei com algumas pessoas a intenção de submeter meu novo livro ao edital e recebi logo em seguida a notícia que as inscrições estavam abertas.

                Lembro do meu desespero quando olhei o edital e o prazo era de um mês para entregar os projetos. Eu tinha umas 5 páginas do livro a essa altura. Pedi ajuda a algumas pessoas pra saber como entrar no edital e recebi algumas sugestões de nomes de produtores culturais. Um deles é conhecido por ser especializado em literatura e fiz contato com ele. A minha ideia era começarmos a trabalhar no projeto e eu ter esse mês todo pra terminar o livro.

                Daí ele me pediu o livro pra mandar pra avaliação.

                 Com o perdão do palavreado, eu tava era FO-DI-DA.

                Pedi uns dias pra “terminar a revisão” – ahan, revisão, “sertinho”. – e foi aí que bateu o desespero. Bom, essa aula de contratos não foi a única que eu faltei nesse período e eu lembro que um dos dias críticos para terminar o livro foi naquela quarta-feira em que o Jornal Nacional fez toda uma dramatização de uma ligação grampeada entre Dilma e Lula. Depois do programa, começou uma loucura generalizada com panelaço, bombas e buzinas e eu com os nervos à flor da pele. Meu coração palpitava, meus pais não estavam em casa, então liguei pra minha irmã em desespero, com crise de choro e meu cunhado, que me atendeu, passou uns 15 minutos tentando me acalmar. Naquela noite não rolou nenhuma linha, eu fiquei nervosa demais pra escrever.

                A solução foi escrever no estágio mesmo. Eu evitava fazer isso, afinal era meu ambiente de trabalho, mas era necessário. Tem uma passagem perto do fim do livro que é particularmente emocionante e não estava planejada, simplesmente aconteceu, e eu chorei. E estava no estágio. E eu não conseguia parar de chorar. E passei vergonha. Muita vergonha.

                Terminei o livro numa segunda-feira. Daí eu chorei de novo e todo aquele fiasco descrito no parágrafo acima. Mandei pro produtor cultural e fiquei esperando. Na terça, durante a famosa aula de contratos, eu recebi o retorno: o avaliador aprovou. Hora de começar a correria.

                 
O projeto

                Contratei Claudio Troian, o produtor cultural da minha cidade que é responsável pelos projetos da maior parte dos livros publicados em Caxias do Sul.

                Já de imediato meu primeiro desafio era pagar pelo serviço do projeto – o valor do trabalho efetivo para publicação sai da verba do projeto quando aprovado. Na época, estagiária endividada, estava com uma vakinha (com k mesmo, é o nome do site) aberta porque meu computador estava indo muito mal e eu não tinha dinheiro pra trocar. Como a maior parte do meu trabalho vou disponibilizando de graça na internet, vários amigos sugeriram que eu abrisse a vakinha pro povo me ajudar no aperto.

                Enfim, pedi autorização pros doadores pra usar, no risco, o dinheiro pra pagar o produtor. Todos concordaram e eu corri atrás do que faltava, conseguindo emprestado aqui e ali. Primeiro desafio vencido. Segundo, se considerar que eu não tive outra escolha que não finalizar o livro em tempo recorde.

                A correria até foi menor do que eu esperava e, em uma semana, a minha parte estava finalizada. A loucura mesmo foi na semana do encerramento do prazo, porque nos CD’s onde estava o projeto gravado o word distorceu e as tabelas de orçamento ficaram danificadas. IMAGINA O NERVOSISMO! Porque erro no orçamento é eliminação imediata!

                Por volta de um mês depois, soube pelo produtor que meu projeto passou pela triagem. Ok, primeira etapa vencida. Depois disso viriam as análises orçamentárias, que é menos tenso porque eles podem pedir mudanças, não é eliminação imediata. E depois, claro, a comissão de 5 membros com notório saber na arte específica (no meu caso, literatura) que avaliariam a obra.

Minha sugestão de capa

                Até ali meu grande medo era não passar por causa da violência explícita. Não é todo mundo que tem estômago pra ler um livro que contém estupro – e aí me foi indicado Ana Terra, de Érico Veríssimo, da saga O Tempo e o Vento, um dos maiores clássicos da nossa literatura que já foi adaptado para a TV e o cinema mais de uma vez. Ana Terra sofre um estupro coletivo de um exército inteiro, e essa cena também é explícita. Respirei aliviada, se Érico o fez há tantas décadas, porque eu não poderia?

               
O resultado

                Nessa parte vem o caos. 2016 foi, até o finalzinho dele, um ano bem bosta. Em julho me afundei em dívida pra trocar o HD do note – aquele que tava morrendo e eu não tinha como trocar – e adoeci. Passei por uma microcirurgia, peguei uma gripe violenta, sinusite, rinite, bronquite, outra gripe violenta ainda em tratamento do resto tudo e gastei tudo o que eu tinha juntado em outra vakinha na farmácia.

                3 tratamentos com antibióticos em 2 meses, troca de curso, perda do estágio por causa da troca do curso, desemprego, desespero e uma conjuntivite nos dois olhos como cereja do bolo. É, foi caótico. A cobertura foi uma porta na cara completamente inesperada sobre meu primeiro livro, Depois de Tudo, que é outra história, mas meu emocional chegou nesse ponto virado em retalho.

                E no meio desse caos, no dia 16 de agosto (terça-feira), fui à secretaria da cultura saber do resultado. Aprovado. Mais do que isso, aprovado por unanimidade. Eu quase chorei, mas tive que segurar porque eu não tinha fôlego pra respirar e chorar ao mesmo tempo por causa da bronquite e quase precisei ser socorrida porque me faltou mesmo ar. Enfim, eu venci.

                Mas não, nada na vida vem de graça, certo? Tínhamos até a semana seguinte para ajustar um pedido da comissão sobre o projeto e outra semana para divisão da verba entre os classificados, para aí sim sair o resultado de quem teria seu projeto executado e quem morreu na praia. Ter passado pela comissão não era garantia nenhuma, embora ser uma das pouquíssimas unanimidades tenha aumentado minhas chances de ser contemplada.

                E o resultado não saía. Nos primeiros meses, a moça do setor de fomento só dizia que estava em avaliação porque alguns derrotados haviam entrado com recurso. Depois ela já não tinha mais informações porque não estava mais na mão dela. Lá pelas tantas, um colunista do jornal publicou que havia o risco da anulação do edital e eu entrei em pânico.

                Só que eu não ia ficar parada vendo meu sonho sendo arrancado de mim. Ah, mas não ia mesmo. Descobri tudo o que era possível: estudei a lei municipal, qual a função e prazos da procuradoria, quem era o procurador, consultei advogados para uma possível denúncia ao ministério público, juntei outros prejudicados e compus uma carta à secretária com dados da economia da cultura e o rombo que a anulação causaria na economia da cidade.

                O caos era ainda maior porque a secretária estava licenciada concorrendo à Câmara e o candidato do prefeito, vitorioso no primeiro turno, via sua popularidade desabar diante do candidato zebra que passou pro segundo turno com ele. A gestão acreditava que venceria no primeiro turno, então todo o poder público estava voltado às eleições. E nós, artistas, em banho maria.

                A carta escrita por mim e aprovada pelo grupo de artistas que juntei nunca foi entregue, tinha gente com muito medo de entregar e ser pior e eu vi que nosso grupo tinha se transformado meramente em uma terapia (o que foi ótimo, inclusive), então resolvi agir sozinha; estávamos a  pouco mais de uma semana da eleição do segundo turno, o candidato governista estava perdendo espaço, o zebra crescendo e o jogo político parecendo guerrinha de cotonete gigante na lama. Resolvi aproveitar e entrar no jogo.

                Fiz contato com a vereadora reeleita que foi minha candidata e ela me atendeu prontamente e protocolou na Câmara um pedido de informação sobre o Financiarte, afinal, pegaria muito mal o cancelamento do edital. Era uma quinta-feira – disso eu lembro bem – quando fui à Câmara e vi ser aprovado por unanimidade do protocolo da minha vereadora, Denise. Saí de lá cheia de esperança. E não foi em vão, na terça-feira seguinte, enfim, fomos todos convidados pra diplomação dos contemplados.

                E foi assim que, 70 dias depois da aprovação pela comissão, eu sabia que Histórias de Minha Morte viraria realidade.

Diplomação dos contemplados


Os Versos

                Foi um caos em tempo real. Nem tudo eu podia expor porque tinha medo, muito medo, do quanto expor o horror que estavam fazendo com a gente poderia piorar a situação. Mas o meu caos emocional ficou evidente no meu face. Eu fiquei em frangalhos e toda a luta que eu tinha vencido quando escrevi o Histórias quase virou pó.

                No meio disso tudo, meu inbox piscou. Thayssa, meu contato de face há tempos, veio me dizer que trabalha pra uma editora e, junto com uma sócia, estava criando um selo voltado para mulheres. Vinha um convite para publicação.

                Com o Depois de Tudo já em novo contrato e o Histórias aprovado no Financiarte, eu não tinha nada pra oferecer. Quero dizer, nada que eu julgasse oportuno publicar. Thayssa me questionou sobre poesias, já que é o que eu mais publico na minha página. De início fiquei receosa – trauma de infância, aos 12 a secretária de uma editora me disse que eu jamais publicaria poesias – mas acabei topando.

                E foi assim que nasceu o livro que foi mexido até os 45 do segundo tempo, Versos e Outras Insanidades. Explico: se tem uma coisa que me dá urticária são aqueles livrinhos que, de tão finos, se dobram no expositor. No meu trabalho como redatora publicitária, faço folders maiores! Como poesia é um texto que ocupa pouco espaço, minha maior preocupação era ter um livro vergonhosamente fino. Foi por isso que, há poucas semanas do lançamento, eu ainda produzia textos pra compor a obra.

                Irônico mesmo é precisar escrever textos novos para um livro de poesias sendo que escrevo poesias desde os 10 anos, mas fazer o que se a pessoa que vos fala perdeu na burrice duas pastas com mais de mil poesias cada?

                O lado bom é que, embora contassem minha história, eu não colocaria nesse livro poesias escritas sei lá, em 94, por exemplo. Elas contrastariam de forma negativa com a minha poesia madura, social, visceral que produzo hoje.

                A composição do Versos, tal qual ficou, tem muita semelhança com a narrativa do Histórias, e os esforços para lançar as duas obras juntas acabaram sendo bastante positivos.

                Ok, com o espaço que estou dedicando ao Versos aqui não dá pra ver noção de que a publicação desse livro é uma batalha que enfrento desde os 12 anos, certo? Talvez seja porque eu ainda olho pra ele incrédula que de fato aconteceu – e acho válido comentar que estou com quase 35, então não estamos falando de 2 ou 3 anos de tentativas, mas de mais de duas décadas.
               
O lançamento

                8 de abril de 2017.

                Tão logo a data foi escolhida, comecei a planejar atrações pra engrandecer, e foi assim que convidei duas queridas amigas para integrarem o evento. Bruna Nora e Angela Nadin, ilustradora e fotógrafa que fariam seu trabalho com base no livro. Nesse mesmo tempo, outra amiga entraria no projeto para a trilha sonora do evento. A possível participação de sua banda me obrigou a trocar o local do evento e isso foi meio burocrático porque o local estava aprovado no projeto.

Ilustração da Bruna Nora

Fotografia da Angela Nadin com a modelo Bruna Orlandi

                Até aí deu tudo certo; aprovação da comissão para a troca de lugar, agendamento no lugar novo, tudo ok. Até a hora de imprimir os convites.

                A banda deu pra trás. Ok, eu entendi, não tinha cachê e arte é trabalho, afinal. O que me chateou é que eu me senti super desconfortável com o pessoal que iria realizar meu lançamento porque troquei de lugar para dar suporte para a banda, e não rolou.


                Mas a parte mais linda do pré-8 é que foi tudo tranquilo; os Versos chegaram do Rio com mais de uma semana de antecedência e o Histórias foi entregue com mais tempo ainda de folga. Não tive essa mesma tranquilidade com o Depois de Tudo, em sua primeira edição; teve que ser enviado de avião na véspera do lançamento e eu tive que ir à Porto Alegre buscar.

                A semana que antecedeu o lançamento foi a semana dos meus sonhos. Apesar do cansaço que já era evidente, eu passei a semana tendo que conciliar meu trabalho, a faculdade – todas as noites – e a agenda de entrevistas, cada dia em um veículo diferente. Eu não sei descrever o quanto eu amei aquilo tudo. Claro que nem tudo são flores e eu me gripei uma semana antes, da gripe evoluiu pra bronquite e eu morrendo de medo de perder a voz. Não perdi, só precisava me concentrar pra não tossir nas entrevistas, mas a bronquite na semana mais esperada da minha vida é algo que eu só lembrarei lendo esse relato, o que vai ficar é a experiência maravilhosa que eu tive.



                O dia, especificamente, teve mesmo cara de sonho realizado. Estava marcado para as 17h mas às 16h30 começou a formar fila, não deu nem tempo de montar a banca de venda dos livros porque o pessoal foi chegando e a fila chegou à rua. Saí de trás da mesa dos autógrafos pela primeira vez às 20h e foi chegando gente até as 22h.


                Voltei pra casa com o coração aquecido, não há como se descrever a sensação de ver tudo aquilo acontecendo depois de tantas batalhas que precisei vencer para chegar até ali. Eu estive no inferno mais vezes do que achei que fosse possível suportar. E de repente eu conheci o céu.

                Ainda há muito trabalho pela frente. Venci a primeira etapa e não há tempo para dormir no ponto. Por mais que eu já tenha construído um cantinho seguro no coração de tantos leitores, eu ainda sou considerada desconhecida e tenho agora dois livros que são, para as editoras, produtos, e precisam ser vendidos para que Maya Falks não seja apenas uma nota de rodapé da história da literatura.


                A luta continua. Só que agora eu tenho um exército lutando comigo.

CURIOSIDADES

HISTÓRIAS DE MINHA MORTE:

- O nome de Leandra era pra ser Letícia. Cheguei a escrever duas ou três vezes. Mudei porque Letícia é o nome da filhinha de uma ex-colega com quem convivia na época e não queria ela lendo todo esse sofrimento com o nome da bebê dela.

- O irmão, Felipe, ganhou nome quase no fim do livro, e eu não me dei conta que Felipe é o nome do filhinho da outra colega dessa época, ou seja, tóin.

- A mãe de Leandra não tem nome citado, mas na minha cabeça, ela se chama Regina.

- O pai de Leandra não tem nome, e isso foi proposital porque não o considero digno de um.

- A capa foi feita por Adan Marini baseada em um desenho meu. Aprovei a primeira opção.


- Eu tava na praia com 3G quando a capa veio. Precisava mandar uma sinopse pro verso e não tinha internet, então fui com um netbook caindo aos pedaços até o hotel e fingi que era hóspede. Não colou e eu precisei fazer toda uma curva pra me deixarem usar o wifi. A vingança do hotel foi que o netbook travou e não consegui fazer nada. O resultado: cancelei as férias e voltei pra casa.

- A primeira versão do Histórias era humor. Durou um capítulo e eu senti que não daria certo.

- Disse pro meu melhor amigo que escreveria um livrinho pequeno e despretensioso só pra não ficar muito tempo sem publicar. Bom... ele não acreditou, e ele tinha razão.

- A minha primeira ideia era um livro de bolso, quem me impediu de fazer nesse formato foi o editor.

- Eu queria capa dura porque sou canhota e capa dura não danifica na hora de escrever, mas não cabia no orçamento.

- Toda vez que eu leio o prefácio da Jarid Arraes, eu choro.

- Todos os depoimentos usados na divulgação do livro foram reais. Foram 22 depoimentos coletados.

Um dos depoimentos


- A sinopse no verso era outra. O livro estava prestes a ir pra impressão quando o Adan, o capista, me deu um discreto toque que não tava muito atrativo o texto. Concordei com ele e escrevi o novo. Até hoje sou grata por isso.

- De todas as peças, a única que a gente não entrou em sintonia imediata foi a ilustração que vai no verso, porque o Adan desenhou um patinho amarelo que me lembra patinho de banheira, e o da história é de gesso. 



VERSOS E OUTRAS INSANIDADES

- A minha até então poesia favorita não entrou no livro porque a temática não contemplava.

- A última poesia que escrevi para o Versos foi Filha da Miséria, terminei a poesia em prantos.

- A capa passou por um processo longo de concepção – a designer deve me odiar até hoje. A primeira versão sugerida por mim era uma foto de um ensaio que fiz com a Angela Nadin no final de 2016.


- Depois de mil idas e vindas, escolhi uma foto em um banco de imagens gratuitas e mandei pra designer, que fez um bom mexe nela e virou a capa que está no livro. Confesso que aprovei porque a gente tava com a corda no pescoço porque não curti de cara. Não sei precisar se comecei a gostar sozinha ou se os elogios dos outros foi mudando minha percepção, só sei que hoje sou apaixonada por ela.



- Quando eu tava juntando as poesias, minha mãe pediu pra eu buscar nos arquivos do finado Sótão (minha extinta página de ativismo), já que quando eu comecei ela, era uma página literária, virou ativista porque eu andava muito revoltada. Tirei pelo menos uns 10 textos de lá.


- No dia do fechamento do livro, tirei uma poesia pra participar de um concurso que exigia ineditismo. Perdi o concurso e a poesia ficou fora.

- O banner é de papel, menos de uma semana antes do lançamento, meu pai tropeçou no suporte e derrubou o banner. Com a queda, arrancou um pouco de tinta e eu pintei com caneta. Ninguém notou.

Abaixo, entrevista concedida pra TV Câmara!


sábado, 4 de março de 2017

O silêncio

O presente conto foi escrito para uma seleção promovida pelo autor de fantasia/terror André Vianco. O tema era justamente histórias em território urbano que envolvessem terror e fantasia. De imediato o Hospital Psiquiátrico de Barbacena me veio à mente. Vocês conseguem imaginar terror mais assustador - a um ser com empatia - do que o estado absurdo que os pacientes eram tratados lá.
Bom, não fui selecionada, talvez não fosse bem esse tipo de terror que se esperava, faz parte da vida. Também não acho que esse conto seja exatamente maravilhoso porque a limitação de caracteres e tempo para escrevê-lo fez com que ele não fosse trabalhado da forma que eu gostaria.

Mas cá está ele. Em agradecimento à Daniela Arbex, autora do livro Holocausto Brasileiro, pelo esforço e luta para que essa história - a real - fosse contada.

O Silêncio

Cheguei à Barbacena por volta das 14h de um domingo de sol. Estávamos próximos da época da colheita e Dona Gerusa, comadre de minha mãe, precisava de ajuda já que seus três moleques resolveram virar doutor. Eu tinha 16 anos, tinha abandonado a escola em Lavras e passava a maior parte do meu tempo vendo reprises de novelas na televisão. Bastou uma ligação de Dona Gerusa para minha mãe, já um tanto esgotada do filho vagabundo, me colocar no primeiro ônibus com uma mochila nas costas e me despachar para Barbacena. 

Dona Gerusa era uma mulher de muitos fios brancos e mais rugas do que pele lisa em um rosto marcado pelos anos de sol a sol colhendo flores em um campo próximo à sua pequena casa de alvenaria, graças a um genro que ela demorou a aceitar porque acreditava que o casamento do rapaz com seu filho do meio era pecado. 

Barbacena não era nem de longe minha cidade favorita. Cidade com cara interiorana e ritmo de metrópole; talvez eu apenas sentisse saudade da minha vagabundagem consciente em nossa pequena casa verde em Lavras. Ou talvez pelo imenso susto que tomei já na minha primeira noite no minúsculo quarto onde Dona Gerusa me acomodou. 

Devia ser por volta de 3h da manhã quando comecei a ouvir gritos de uma dor lamurienta, como se misturasse uma dor física aguda com uma amargura na alma irremediável. Eram gemidos em alto volume enquanto a luz fraca do corredor piscava. Usavam a rede elétrica para torturar alguém, não tinha outra explicação. 

Saltei da cama com meu coração na boca. Sentia cada um de meus vergonhosos músculos de franguinho tremerem e fiquei na dúvida se me escondia sob a cama ou corria em busca de socorro ao pobre infeliz, que seguia gemendo em alto volume. 

Em poucos minutos, outros gritos e gemidos somaram-se a ele e formavam praticamente um coral de sofrimento. Podia sentir em meu âmago todo aquele lamento, uma mistura agoniante de tristeza e dor, um sofrimento que penetrava em meus poros e me levou às lágrimas. Eu não chorava de medo, chorava por empatia. 

Não sei precisar que horas os gritos e gemidos cessaram, sei apenas que fui acordado na manhã de segunda para o início da colheita e já, ao despertar, me sentia profundamente exausto. Dona Gerusa percebeu meu estado e se desculpou por não ter me alertado antes. 

- É o hospício. 

- Que hospício? 

- Nunca ouviste falar? Tem um hospício nas redondezas. Muita gente morreu lá, eu lembro das pilhas de corpos esqueléticos que saíam de lá; meu pai, quando eu era só uma garotinha, me levava aos trilhos para ver os corpos, eles nem sempre cobriam e era possível ver as queimaduras na cabeça por causa dos choques elétricos. 

Fiquei sem chão. Sim, os choques, os gritos de dor, a tristeza. Passam a noite torturando seres humanos sob o conhecimento público. Como nunca tinha ouvido falar de tamanho horror? 

- Por que seu pai levava a senhora para ver os mortos? 

- Porque naqueles tempos o hospício não era só para os loucos, mas para os desajustados também, e moça de família que saísse da linha cruzava aqueles portões e nunca mais voltava pro lado de cá a menos que tivesse naquela pilha de corpos. Meu filho do meio, o moço casado com o rapaz que fez essa casa, teria ido pra lá se tivesse nascido em outros tempos. 

- Por ser gay? 

- Por ser desajustado, em desacordo com o resto da família. Sim, por ser gay. Muitos deles morreram ali. 

- A senhora teria coragem de colocar seu filho em um lugar onde pessoas são torturadas com choques elétricos? 

Ela suspirou. Percebi que havia tocado num ponto que não devia. Talvez ela se envergonhasse de ter cogitado mandar seu filho para um matadouro de seres humanos. Talvez ela sofresse toda noite ouvindo o grito dos desajustados pensando que por pouco seu filho não se tornou um deles. 

- Eram outros tempos, meu filho. Eram outros tempos. 

Encerramos o assunto, mesmo com a minha vontade de perguntar se o filho do meio sabia que um dia existira a intenção de joga-lo para trás daquelas muralhas onde pessoas viravam cadáveres sem que ninguém questionasse, pelo contrário, as pessoas contribuíam com o crescimento da pilha de corpos se livrando de seus próprios familiares. Pelo olhar ressentido de Dona Gerusa, imagino que o menino cresceu sabendo que escapou por pouco. 

O trabalho iniciado naquela manhã parecia mais árduo do que eu podia prever, talvez pelo cansaço, talvez pela impotência de saber que naquela madrugada eu seria novamente acordado com gritos e não poderia fazer nada a respeito. 

E foi exatamente o que aconteceu. Mas talvez o mais triste, até aquele ponto, é que eu, assim como todos que viviam nos arredores do hospício, me acostumei com os gritos na madrugada, eu ouvia diariamente pessoas em intenso sofrimento e aquilo já não me afetava mais. A gente endurece e a dor alheia para de nos chocar. 

Foi em um desses momentos que, em um sábado chuvoso, conheci Aurora. Ela era magra e pálida como um cadáver, não tinha muita lógica no que ela dizia, mas ainda assim sorria pra mim, sem um único dente restante na boca. De início julguei que Aurora devia ser uma senhora de uns 40 anos desgastada pela dor, pelo tratamento desumano e pelo abandono, mas era apenas uma moça de 25 anos que havia sido largada lá pelo pai, depois de uma gravidez indesejada. 

Gostei dela, de sua insanidade, de sua falta de lógica. Chorei com ela, com sua história de uma vida boa destruída por interesses alheio. Chorei ao saber que sua loucura foi fabricada dentro daqueles muros, entre um choque e outro, entre uma refeição vencida e outra apenas dias depois, porque chegara lá perfeitamente saudável, mas grávida. Chorei ao saber que enterrou seu bebê natimorto em algum ponto dos jardins sem flores daquela edificação maligna. 

Eu e Aurora nos encontramos mais três vezes, todas em sábados chuvosos, sempre pelas redondezas do hospício que silenciava durante o dia como se não tivesse ninguém lá. Em todas chorávamos juntos as desgraças de sua vida e eu ouvia atentamente os relatos de horrores que ela vivia por lá. Minha temporada em Barbacena estava chegando ao fim com o encerramento da colheita e eu tinha muita vontade de tirar Aurora de lá e dá-la o tratamento adequado para superar os traumas que aquele lugar a causou. 

Pois foi que na véspera da minha partida, Aurora não apareceu. Era um sábado chuvoso como todos os outros que nos encontramos, mas ela não apareceu. Senti-me triste, havia levado um bolo como presente de despedida, que acabou se despedaçando pelo tempo longo exposto à chuva. Fui embora do nosso ponto de encontro ciente que nunca mais a veria, ou sequer teria notícias dela. 

Na manhã seguinte, já com a mochila pronta, resolvi questionar Dona Gerusa. Era impossível que aquela senhora nunca tivesse se encontrado com Aurora em sua vizinhança, e talvez ela soubesse um pouco mais da história da moça que me partiu o coração. 

- Conheces a Aurora, Dona Gerusa? – Questionei, entre goles de seu café sempre meio aguado. 

- Do que você está falando, moleque? – Ela não se virou para olhar para mim, mas sua forçada irritação na voz deu a impressão de que ela conhecia muito bem a história, mas não queria lembrar. 

- Por favor, Dona Gerusa, em menos de uma hora estarei embarcando de volta à Lavras, a senhora não precisará mais me olhar nos olhos. Fale-me dela, a senhora a conhece? 

Dona Gerusa suspirou e saiu da cozinha. Me senti levemente derrotado, não teria outra chance de conhecer melhor Aurora e isso me gerou uma tristeza profunda. Até que ela voltou com um velho álbum de fotografias, aberto em uma página amarelada pelo tempo revelando uma fotografia de tempos bastante remotos mostrando uma moça na faixa dos 20 anos, vistosa, bonita e de semblante alegre, e um menino que não devia passar dos 10 anos de olhar levemente assustado. 

- Então garoto, esse menino da foto é meu pai, aos 9 anos. A moça é minha tia, Aurora, aos 22. Essa fotografia foi feita no dia de seu noivado e meu pai se lembrava que ela estava radiante. – Na sua pausa, me senti empalidecer como se a cor de meu corpo escorresse pelos poros, eu já imaginava onde isso iria parar. – Eu não a conheci, porque alguns meses depois, tia Aurora se descobriu grávida. Só que o casamento só estava marcado para alguns meses depois, a gravidez revelou que tia Aurora não era mais virgem e isso fez com que meu avô a colocasse no hospício, para esconder a vergonha da família. 

Não fazia sentido, a moça da fotografia devia estar morta há décadas, e eu a havia encontrado apenas dias antes! Dona Gerusa percebeu minha inquietação. 

- Ela está morta sim. Mesmo que não soubéssemos que ela morreu não muito depois da internação, ela já estaria morta igual, por velhice. Nos mudamos para Barbacena quando eu tinha 4 anos, exatamente porque meu pai queria saber o que tinha acontecido com ela, e eu passei a infância sabendo que se não me portasse como uma boa menina, teria o mesmo destino dela. Por isso víamos os mortos nos trilhos. Éramos criados sabendo que podíamos virar um daqueles cadáveres se saíssemos da linha. 

- Mas... e por que ninguém faz nada? Os gritos à noite, existem pessoas sendo torturadas lá todos os dias! 

- Não, garoto. O hospício foi fechado há mais de 30 anos, estão todos mortos, inclusive sua amiga Aurora. Acontece que a dor deles ficou impregnada naquelas paredes e por isso somos capazes de ouvi-los sofrer quando o silêncio da madrugada toma a cidade. 

Estão... todos... mortos... 

Fui embora de Barbacena pra nunca mais voltar, mas aquela frase ficou registrada feito tatuagem em minha cabeça, nunca fui capaz de esquecer os gritos, os gemidos, Aurora. Até hoje os escuto, porque em minha mente nunca mais se fez o silêncio.