quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Balanço

                Fiz uma enquete no meu perfil de facebook porque tinha gravado um vídeo de 6 minutos e venceu postar o vídeo em vez de texto, mas teve gente pedindo os dois, e, como esse espaço precisará ficar um tempinho às moscas, achei por bem atender aos pedidos. Ah, esclarecendo, vou viajar por 2 semanas e terei um acesso bem restrito à internet, possivelmente postarei alguma coisa na page, mas aqui vai ser realmente complicado, volto na metade de janeiro.

                Então vou fazer o que mais gosto: vou brincar com as palavras. Agora no improviso, sem nenhum planejamento porque tenho poucas horas até tocar o despertador:

Essa é a história de uma garotinha
Que dos sonhos fez palavras, era o dom que ela tinha
Todo dia rabiscava um poema diferente
Inclusive seu primeiro foi um bastante quente!
Louca! Era o que ela mais ouvia
Sensível! Ela respondia
O tempo foi passando
Como uma locomotiva, tudo arrastando
Tinha mil pedras o caminho
Mas também encontrou flores
Trocou tapas por carinho
Descobriu novos amores

                Termino 2015 sem um pingo de vergonha de assumir que estou apaixonada. Estou perdidamente apaixonada pelos novos amigos, leitores, por cada mensagem carinhosa que a literatura me presenteou. Como apaixonada, não hesitarei em declarar sempre o meu amor.

                Muito obrigada por tudo.

                De coração.
                Para sempre.


terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Sem sentido

                Eu poderia imaginar mil situações onde seriam possíveis nossas maneiras de ver o mundo. Universos paralelos em choques multiatômicos onde a frieza de nossas células fariam algum sentido. Somos todos resultados de catástrofes naturais, da força do acaso, do encontro inesperado entre a água e a matéria sólida.

                Como argila. O barro granulado afundado em líquido sujo. Matéria orgânica planejada para a decomposição. Nem o mais firme de nossos ossos resiste à ação implacável do tempo e das misérias desse tempo de angústias e prazos estourados que costumamos rotular de vida.

                Nossas maneiras de ver o mundo se chocam com a realidade da carne que está fadada ao apodrecimento. Mas ainda assim não trocaríamos nossa finitude por uma imortalidade inútil. É a certeza da morte que nos tira a bunda da cadeira – nunca se sabe se hoje não é a última chance.

                Imortalidade acomoda, acomodação nos dá urticária.  

                Não somos revolucionários. A revolução é muito bonita nos livros de história. No dia a dia é o jovem idealista apanhando da máquina fascista. Se eu quisesse ver sangue todo dia, trabalhava em hospital ou renovava meu estoque de lâminas. A revolução é bonita até que o osso quebrado pelo cassetete seja o seu.

                Não será o meu. Deixemos a revolução para quem tolera a dor.

                Talvez tenhamos embarcado em um disco voador e estejamos num plano B da Terra, onde a humanidade pode ser tudo, menos humana. A cegueira da alma é a pior deficiência, porque de nada adianta você ver se você se recusa a enxergar.

                Sigamos empurrando nossos ideias com a barriga, nada mais pleno do que a procrastinação.

                E não espero que faça sentido, afinal, a vida não o faz, por que nossos amontoados de células em constante processo de auto-aniquilação fariam?

                Devoramos a nós mesmos para sobreviver. Para que no fim da estrada nos encontre a morte igual. Então que pelo menos esse encontro não nos venha com a incômoda sensação de que não fizemos a nossa parte. 

Arte de Nahu Ramos

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Vida e obra do cabra da peste: Ariano Suassuna, o encantador do Nordeste

Antes de apresenta-los o texto desse post, aviso que não estou fazendo uma série "autores brasileiros", foi um acaso do destino falar de dois autores na mesma semana!
A questão é que participei com esse texto de um concurso nacional (CIEE/ABL), problema é que no regulamento dizia que não podia ter ligação direta ou indireta com o CIEE, e eu sou estagiária registrada lá. Não sei se foi isso ou simplesmente fui derrotada, mas o fato é que o texto abaixo não ganhou o concurso. Se puderem, me digam o que acharam! Beijos!


Vida e obra do cabra da peste: Ariano Suassuna, o encantador do Nordeste

          E se pudéssemos pensar em um país, onde a cultura é de fato sua raiz, um país de misturas, de povos, artes e culturas? Teve um homem em nossa história, daqueles pra ficar na memória, que lutou bravamente - pra preservar a cultura da gente. Nordestino lá dos sertões, brasileiro de mil corações, era o tipo de sujeito que cria, que trazia diversão, conhecimento e alegria.
            Suassuna deixou de si seu talento, de um homem que se dizia rabugento, mas do seu jeito de ser o que marcava, eram suas palavras que encantavam por onde passava. Revisitando seus escritos é que vemos, o imenso talento que recentemente perdemos, as marcas da literatura de qualidade, com graça, ternura e originalidade.
            Ariano foi advogado, largou a carreira de bom grado, mal ele sabia o quanto defendia, um cliente chamado “alegria”. Os palcos foram seu tribunal, a cultura foi o cliente ideal, e ele – sem nem perceber – foi o melhor advogado que a arte poderia ter.
            Mas de seu tempo como advogado, não carece muita coisa dizer. O que fez de fato seu legado, foi seu jeito porreta de escrever.
            Quantas cores, formas, amores! Personagens que despertam paixões! É a história do povo da terra: coronéis, donzelas e sabichões. Afinal, o que esperar de um cabra da peste que não o retrato mais belo e puro no nordeste?
            Peitou o mundo e a sociedade, das misérias mostrou a realidade. Matutou sobre a fome e a gente excluída, fez do povo brasileiro a razão e sua vida. Já na meninice fazia graça, nos palcos quando a cortina se abria sentia-se em casa. Da sua mente abria-se a vida, afinal, quem nunca se apaixonou pelo Auto da Compadecida?
            Dramaturgo de vocação, até na política meteu a mão. Não gostava, bem dizendo, esse negócio de burocracia o deixava sofrendo. Mas a boa nova é que o cabra safado fazia bem feito até distrenado. Do cargo público aos palcos da vida, mostrou a verdade, a vida sofrida, explorando humor e compaixão, pelas gentes do seu amado sertão.
            Ah, Ariano, que falta que faz! Nas terras brazucas ninguém é capaz – seu jeito especial de contar suas histórias, de vidas sofridas, batalhas inglórias. Vestiu de sol a mulher, no casamento suspeitoso meteu a colher. Nem Nossa Senhora de ti escapou, descreveu Jesus e o “coisa ruim” enfrentou. Nas linhas, nas falas, você nos encantou.
            Oxe, moço sabido! Tuas histórias correram o país! Teu feito não passou despercebido, qualquer artista é hoje teu aprendiz! A pedra do reino é quem diga, se meter o santo e a porca dá briga! De tua obra se tem tanto a dizer porque, com tanto talento, fizeste por merecer.
            Fui desafiada a contar o teu valor pra literatura. Ora veja, leitor, é Ariano Suassuna! O artista de tantas palavras, histórias de amor e ternura. Não cabe a mim a pretensão de convencer ao desavisado leitor que sua obra merece conhecer. Ariano foi feito de gente, sua obra não se descreve, se sente.
            Mas como ele mesmo já dizia: “tudo o que é vivo, morre” – de fato, um dia. Mas quem deixou tamanha herança, permanece eternamente na lembrança. Se tivesse que resumir a sua história, eu diria: “foi feito de amor, paixão e glória”. Direto do sertão do Nordeste, a cultura ganhou esse cabra da peste!
            Deixou-nos órfãos com uma carrada de sentimento, do teu sorriso puro restou nosso lamento, dos teus personagens ficou a lembrança, de olhar para o mundo como uma criança porque ninguém peca enquanto tiver esperança. E você a tinha como ninguém, acreditava no homem e no futuro também. Ficou sua marca de quem sabe encantar, a literatura vai sempre lembrar das doces histórias que mesmo doídas contavam as glórias das vidas sofridas de um povo que luta sem nunca hesitar porque tem nas veias o dom de amar. E os amaste profundamente.

 A obra é pra sempre, mas a vida chegou ao fim, da sua biografia cito Chicó: “não sei, só sei que foi assim”.


terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Amores transcendem


Graça, pois, que me encanto
Eu tuas doces melodias
Vou refazendo meu canto
Teus amores e poesias!
Foste um véu de paixões
Feriste mil corações
Mas no despertar da aurora
No seu verdadeiro clamor
Do teu coração, bem na hora
Encontraste o verdadeiro amor
Poeta que me encanta a alma
Cuja poesia me acalma
És meu passado distante
De palavra por vezes errante
Encontraste a fonte da vida
Mesmo com a alma perdida
Entraste pra história e assim
Construíste o melhor que tenho em mim
No raiar de cada dia
Minha vida por ti construída
Converte-se em poesia!
Que seja lograda vitória
De manter no curso da história
O poeta das mil maravilhas
Nosso para sempre lembrado
Querido Gonçalves Dias!
(Maya Falks)

Minha vida literária se divide entre “AGD/DGD”. Sim, bastante o óbvio de Antes de Gonçalves Dias/ Depois de Gonçalves Dias. Tenho-o como meu livro de cabeceira (6x no carnê, capinha de couro). Eu tinha por volta de 14 anos quando estudamos o romantismo brasileiro na escola; nessa época eu já escrevia poesia há 2 ou 3 anos e produzia literatura há 11, mas, certo dia, pouco antes do começo das aulas, abri o livro de literatura – matéria favorita – e me deparei com o capítulo que trazia um pouco da vida e obra de Antônio Gonçalves Dias.

Ali havia, como era de se esperar de um livro de literatura, Canção do Exílio, certamente a peça poética de maior sucesso do autor – “Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá”. Pouco depois, ao falar de sua fase indianista – foi o poeta um grande etnógrafo – um trecho de I-Juca Pirama, uma belíssima homenagem aos guerreiros Tupis


IV
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci,
Guerreiros, descendo
Da tribo Tupi

Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci:
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.

Embora Canção do Exílio e I-Juca Pirama sejam obras memoráveis e de uma qualidade profunda, as palavras que me moldariam para sempre ainda estavam por vir. Timidamente, encerrando o capítulo, lá estava um pequeno pedaço da que eu considero a obra mais importante da literatura romântica no mundo – Ainda uma Vez – Adeus.

Deparar-me com aquele pequeno trecho fez meu coração parar por um segundo. Não havia no livro qualquer menção ao fato que levou a essa obra, mas eu sabia, no meu íntimo, que Gonçalves Dias morrera de coração partido. Meus professores de literatura da escola jamais deram ao poeta o destaque merecido, tudo sempre girou em torno do parnasianismo, da Semana de Arte Moderna de 22 – que, sob meu humilde ponto de vista gerou uma das obras mais horrendas da nossa literatura, aclamada até hoje – e Machado de Assis.

Uma das maiores frustrações que tive, no meu período estudantil, foi justamente o destaque que Machado tinha em contrariedade ao Gonçalves Dias, de quem falávamos praticamente nada. O romantismo foi ensinado em alta velocidade mesmo com toda sua riqueza que abrangeu três distintas fases e inúmeros notáveis autores. Nada contra Machado, que certamente merece tamanho destaque, mas enquanto os professores o idolatravam, eu relia sem parar o pequeno trecho de Ainda uma Vez – Adeus.

A internet entrou na minha vida uns 2 anos depois desse livro que pouco me dizia, embora o bastante para eu saber que o poeta se tornaria meu mestre e exemplo. Tão logo tive o primeiro acesso ao que quer que fosse, busquei seus versos. Em menos de uma semana com acesso à internet, eu tinha encadernado um apanhado de poesias que carregava na mochila. Por economia de papel e tinta, I-Juca Pirama não entrou na seleção, mas foi nessa ocasião que descobri que Ainda uma Vez – Adeus ia muito além dos 3 versos contidos no livro. E foi ali que soube que, embora Canção do Exílio seja a peça mais famosa, é esta que o poeta mais amava.

Como sei? Impossível explicar. Eu apenas sei, e defendo sem medo de errar – se Gonçalves Dias fosse vivo (faleceu em um naufrágio em 1864) – elegeria essa sua poesia favorita. E olha que defendo essa tese desde antes de saber como e porquê essa obra foi feita.

Frequentei muito pouco o cursinho pré-vestibular, no ano de 1999, principalmente porque comecei a trabalhar no comércio no turno oposto à escola – justamente o turno do cursinho. Nesse período, porém, ignorei todas as aulas de exatas e entrei de penetra na outra turma (duas turmas por turno) para assistir duplamente as aulas de história, história do Brasil e, óbvio, literatura. Foi numa dessas aulas duplas que o professor de literatura dedicou uma aula inteira a Gonçalves Dias (professor Bondan, nota mental: acha-lo no face e contar a ele que aquela aula mudou tudo).

Mas o mais fascinante não foi somente o fato de ele ter sido o primeiro professor a dar à Gonçalves Dias o destaque merecido, mas o fato de Ainda uma Vez – Adeus ter sido alvo de pelo menos 50% da aula. Professor Bondan tinha razão: Canção do Exílio foi um poema que aconteceu, simplesmente; Ainda uma Vez – Adeus foi praticamente uma autobiografia.

Durante a aula, o professor encenou o momento em que essa poesia ganhou vida - não o texto em si, mas o motivo da existência dele. Talvez pela minha grande capacidade de imaginação ou quem sabe por essa ligação tão forte que sinto com ele, consegui imaginar com perfeição a situação mesmo que na ocasião eu não fizesse ideia da aparência dos envolvidos.

Gonçalves Dias se tornou um ícone do que eu queria ser enquanto escritora, me levando inclusive a acaloradas discussões com fãs de Machado no debate de quem seria o maior nome da literatura nacional – não que seja justo comparar dois estilos tão diversos.

Os anos se passaram e, em 2006, em um dos meus cotidianos passeios por livrarias, descobri que uma editora estava lançando uma coleção de obras completas de diversos grandes nomes da literatura universal, todos em capa de couro com o nome do autor gravado e aquele papel bem fino estilo bíblia. Não me lembro exatamente que autores já estavam disponíveis, mas lembro que quase chorei quando o livreiro me avisou que a coleção contemplava Gonçalves Dias e logo chegaria o livro.

Confesso que fiquei dividida – o livro custava um pouco menos que minha renda mensal, mas caramba, OBRAS COMPLETAS DE GONÇALVES DIAS. Mandei reservar o meu. Na real foi uma grande sorte porque só veio um, e se tornou meu no mesmo dia que chegou. Naquele dia eu vi pela primeira vez um retrato do poeta. E igualmente pela primeira vez um retrato de Ana Amélia, o grande amor de sua vida, a grande tragédia amorosa que o levaria à ruína.



Resumindo a história que originou a poesia mais linda de todos os tempos: Gonçalves Dias nasceu fruto de uma mistura de branco, negro e índio. Incrivelmente baixo, dono de cabelos levemente cacheados e pele e traços do rosto típicos da mistura negra e indígena, nem sua amizade com membros da família e até mesmo com o imperador do Brasil, nem mesmo sua formação, seu trabalho e seu talento foram páreo para sua raça ao pedir Ana Amélia Ferreira do Vale em casamento.

Ana Amélia, prevendo a recusa de sua família por ser seu amado caboclo e filho bastardo, propôs que fugissem. Ele, na sua melhor intenção julgando ser melhor que Ana Amélia, moça branca e de bom berço, estivesse disponível a um casamento com um homem “de boa origem”, não seguiu o pedido de sua amada e simplesmente partiu. Partiu igualmente o coração de Ana Amélia.

Inconformado, certo de que jamais amaria alguém como amava Ana Amélia, Gonçalves Dias se casou com Olímpia apenas meses depois. Ana Amélia, ao saber do casamento, escolheu um noivo a dedo, o comerciante Domingos Porto, neto de escrava, igualmente bastardo. Sua decisão, motivada pelo abandono e ciúme, a levou a ser deserdada pelos pais, indo viver em Portugal com o marido – agora falido – vivendo na solidão de um casamento sem amor, de uma família que lhe virou as costas e na pobreza que até então, nobre, não conhecia.

Os anos seguintes de ambos casamentos foram marcados pela tentativa constante de Gonçalves Dias em se manter o mais longe possível de sua esposa. Mas vivia relativamente bem, ativo e constante, até que, em maio de 1855, encontrou-se por acidente com Ana Amélia.

Sequer é preciso estudar a vida do poeta para entender exatamente o que aconteceu nesse encontro. É visível e escancarado na poesia que ele inicia se justificando a ela, que sacrificou a si mesmo em nome do que julgava ser o melhor para ela, e descobre que seu sacrifício não somente foi em vão – uma vez que ela se casou com um mestiço bastardo como ele – como lhe foi um golpe duro. Ele havia ferido o coração de sua amada de formas que não tinham como ser consertadas. Ele entendeu que era o responsável pela infelicidade da pessoa que mais amava.

Não sei dizer se o que lhe doeu mais foi perceber que poderia ter sido mesmo ele a desposar sua amada ou foi saber que sua lealdade à amizade com a família da moça – que o impediu de fugir com ela como era da vontade dela – arruinou sua vida. Talvez uma mistura de ambos; quando amamos genuinamente alguém, saber que lhe causamos dor também nos é motivo de grande sofrimento.

Depois de Ainda uma Vez – Adeus, Gonçalves Dias enfrentou alguns anos de pobreza criativa e tentou retomar suas atividades normais, mas sua saúde foi se degradando a olhos vistos; sua morte chegou a ser anunciada erroneamente 2 anos antes de ela de fato acontecer. Seus amigos confirmavam que o poeta nunca mais foi o mesmo depois daquele encontro e muitos concordam que sua vida foi de fato abreviada (morreu aos 41 anos) pela dor do amor perdido.

Gonçalves Dias e Ana Amélia jamais puderam ser um casal. Foram impedidos de viver o amor que sentiam principalmente por racismo, mas tanto era verdadeiro seu amor que a própria história lembra de Ana Amélia como a grande musa de Gonçalves Dias, mesmo que oficialmente tenha sido Olímpia a ganhar seu sobrenome. Pouco se sabe da vida de Ana Amélia longe do poeta, mas, já bem velhinha, foi ela a derramar um choro saudoso na homenagem feita ao poeta aos 40 anos de sua morte. Também pertenceu a ela – até sua morte – o retrato mais reproduzido que se tem dele.

Fico divida entre lamentar por essas duas vidas marcadas por uma separação dolorosa e me deliciar com os frutos de tamanha dor. Faço os dois. Fascinada, busco sempre saber mais sobre o homem que marcou os rumos da minha carreira literária. E foi em uma de minhas pesquisas que descobri que, no centenário de morte do poeta, foi lançado em São Luís do Maranhão uma obra que visava justamente homenagear os dois amantes de tão triste destino. “Gonçalves Dias e Ana Amélia”, a obra, de Mário Meireles, escritor maranhense falecido em 2003.

Minha primeira atitude foi procurar em livrarias. Sem sucesso, busquei pela editora – como se trata de uma edição de homenagem, não tem uma editora comercial. Parti para os autores dos artigos nos quais o livro foi citado. Sem retorno, tentei a Academia Maranhense de Letras. Nada. Sem mais alternativas, pedi socorro no facebook!

Algumas pessoas me procuraram dispostas a ajudar; um correu atrás de sebos, outra me enviou um livro de literatura com um capítulo inteiro sobre o poeta (obrigada gente!!), mas aí veio a Monique Prada, que marcou um amigo maranhense no post.

Rafael Silva, o amigo marcado, se dispôs imediatamente a me ajudar. Quando eu voltava da entrega dos 3 últimos prêmios, havia um recado dele na minha página pedindo que eu fizesse contato com Júlia Moraes, filha de imortal da academia que era amigo do autor. Naquela noite, pela hora e pelo cansaço, não fiz nada; na manhã seguinte Rafael me avisou que Júlia tinha novidades. Em menos de uma hora depois do aviso, estava Júlia em posse do meu endereço disposta a enviar-me uma cópia da obra, a qual ela tinha!

Nem preciso dizer que chorei de emoção, não é? Na semana seguinte Júlia me avisou que o livro estava no correio e hoje, uma semana depois, o improvável aconteceu: o livro publicado de forma restrita, no centenário de morte de Gonçalves dias – o que significa que esse livro completou 50 anos em 2014, estava em minhas mãos.

Hoje me faltam palavras para agradecer todos os envolvidos, desde os que tentaram sem sucesso me ajudar, até Monique, Rafael e Júlia, que fizeram acontecer. Talvez, mesmo sendo eu escritora, jamais consiga colocar em palavras o quanto isso tudo significou pra mim. Não apenas ter acesso ao livro, mas seu esforço, seu empenho, sua boa vontade em me ajudar.

De minha parte, espero que Ana Amélia perdoe Gonçalves Dias e que possam viver seu amor em algum ponto da eternidade. E espero manter em minha vida, para sempre, Monique, Rafael, Júlia e todos os amigos queridos sempre dispostos a fazer parte da minha biografia.


Encerro esse post com Ainda uma Vez – Adeus.

I
Enfim te vejo! — enfim posso,
Curvado a teus pés, dizer-te,
Que não cessei de querer-te,
Pesar de quanto sofri.
Muito penei! Cruas ânsias,
Dos teus olhos afastado,
Houveram-me acabrunhado
A não lembrar-me de ti!

II
Dum mundo a outro impelido,
Derramei os meus lamentos
Nas surdas asas dos ventos,
Do mar na crespa cerviz!
Baldão, ludíbrio da sorte
Em terra estranha, entre gente,
Que alheios males não sente,
Nem se condói do infeliz!

III
Louco, aflito, a saciar-me
D'agravar minha ferida,
Tomou-me tédio da vida,
Passos da morte senti;
Mas quase no passo extremo,
No último arcar da esp'rança,
Tu me vieste à lembrança:
Quis viver mais e vivi!

IV
Vivi; pois Deus me guardava
Para este lugar e hora!
Depois de tanto, senhora,
Ver-te e falar-te outra vez;
Rever-me em teu rosto amigo,
Pensar em quanto hei perdido,
E este pranto dolorido
Deixar correr a teus pés.

V
Mas que tens? Não me conheces?
De mim afastas teu rosto?
Pois tanto pôde o desgosto
Transformar o rosto meu?
Sei a aflição quanto pode,
Sei quanto ela desfigura,
E eu não vivi na ventura...
Olha-me bem, que sou eu!

VI
Nenhuma voz me diriges!... 
Julgas-te acaso ofendida? 
Deste-me amor, e a vida 
Que me darias — bem sei; 
Mas lembrem-te aqueles feros 
Corações, que se meteram 
Entre nós; e se venceram, 
Mal sabes quanto lutei!

VII
Oh! se lutei! . . . mas devera
Expor-te em pública praça,
Como um alvo à populaça,
Um alvo aos dictérios seus!
Devera, podia acaso
Tal sacrifício aceitar-te
Para no cabo pagar-te,
Meus dias unindo aos teus?

VIII
Devera, sim; mas pensava,
Que de mim t'esquecerias,
Que, sem mim, alegres dias
T'esperavam; e em favor
De minhas preces, contava
Que o bom Deus me aceitaria
O meu quinhão de alegria
Pelo teu, quinhão de dor!

IX
Que me enganei, ora o vejo;
Nadam-te os olhos em pranto,
Arfa-te o peito, e no entanto
Nem me podes encarar;
Erro foi, mas não foi crime,
Não te esqueci, eu to juro:
Sacrifiquei meu futuro,
Vida e glória por te amar!

X
Tudo, tudo; e na miséria
Dum martírio prolongado,
Lento, cruel, disfarçado,
Que eu nem a ti confiei;
"Ela é feliz (me dizia)
"Seu descanso é obra minha."
Negou-me a sorte mesquinha. . .
Perdoa, que me enganei!

XI
Tantos encantos me tinham,
Tanta ilusão me afagava
De noite, quando acordava,
De dia em sonhos talvez!
Tudo isso agora onde pára?
Onde a ilusão dos meus sonhos?
Tantos projetos risonhos,
Tudo esse engano desfez!

XII
Enganei-me!... — Horrendo caos
Nessas palavras se encerra,
Quando do engano, quem erra.
Não pode voltar atrás!
Amarga irrisão! reflete:
Quando eu gozar-te pudera,
Mártir quis ser, cuidei qu'era...
E um louco fui, nada mais!

XIII
Louco, julguei adornar-me
Com palmas d'alta virtude!
Que tinha eu bronco e rude
Co que se chama ideal?
O meu eras tu, não outro;
Stava em deixar minha vida
Correr por ti conduzida,
Pura, na ausência do mal.

XIV
Pensar eu que o teu destino
Ligado ao meu, outro fora,
Pensar que te vejo agora,
Por culpa minha, infeliz;
Pensar que a tua ventura
Deus ab eterno a fizera,
No meu caminho a pusera...
E eu! eu fui que a não quis!

XV
És doutro agora, e pr'a sempre!
Eu a mísero desterro
Volto, chorando o meu erro,
Quase descrendo dos céus!
Dói-te de mim, pois me encontras
Em tanta miséria posto,
Que a expressão deste desgosto
Será um crime ante Deus!

XVI
Dói-te de mim, que t'imploro
Perdão, a teus pés curvado;
Perdão!... de não ter ousado
Viver contente e feliz!
Perdão da minha miséria,
Da dor que me rala o peito,
E se do mal que te hei feito,
Também do mal que me fiz!

XVII
Adeus qu'eu parto, senhora;
Negou-me o fado inimigo
Passar a vida contigo,
Ter sepultura entre os meus;
Negou-me nesta hora extrema,
Por extrema despedida,
Ouvir-te a voz comovida
Soluçar um breve Adeus!

XVIII
Lerás porém algum dia
Meus versos d'alma arrancados,
D'amargo pranto banhados,
Com sangue escritos; — e então
Confio que te comovas,
Que a minha dor te apiade
Que chores, não de saudade,
Nem de amor, — de compaixão,

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

SOBREVIVÊNCIA – O Jantar


                Sabe aquele ditado “quando a esmola é demais, o santo desconfia”? Pois é, eu era trouxa demais pra desconfiar. Tá, “trouxa” estou sendo cruel comigo mesma, eu era uma pessoa iludida sobre o ser humano, que acreditava – e ainda acredita – que o ódio contra alguém que nunca te fez nada tem limites. Bom, não tem.

                Último ano do ensino médio. Minha “panelinha” era composta basicamente por quem olhava na minha cara. Nos dávamos bem sim, tínhamos nossos momentos, mas eu sabia que a qualquer momento aconteceria uma exclusão – um trabalho em grupo sem mim, um cinema combinado no cochicho, qualquer coisa. Eu já não me surpreendia mais.

                Quando você tem todo um histórico de segregação, de humilhação, de ter um alvo colado em sua testa ad eternum você sabe que a bomba pode explodir a qualquer minuto, mas isso não te deixa mais esperta nem menos esperançosa, tampouco de resguarda de cair em ciladas. E elas aconteciam o tempo todo.

                Na minha classe na sala de aula, eu ficava exatamente no limite entre a minha panelinha e a panelinha dos que mandavam na turma. Alguns dos meninos aprontões e uma menina que fugia completamente aos padrões da menina da turma dos populares. Ela era genuinamente bonita, mas não era sexualizada, gostosona e estúpida. Era uma menina muito bonita, comportada e muito inteligente, estudiosa e querida pelos professores.

                Ela havia sido minha amiga por anos. Ela e uma menina da minha panelinha. Éramos um quarteto com outra menina que se separou de nós com o fim do ensino fundamental. Eu fiquei sozinha na escola onde nos conhecemos até que o bullying e o resultado dele fizeram meus pais me trocarem de escola de novo, e eu escolhi a escola para onde tinham ido 2 das minhas 3 queridas amigas do fundamental.

                Camila – a popular – e Alana – da minha panelinha – eram amigas de infância, as famílias se conheciam bem e elas ainda mantinham um bom convívio do lado de fora da escola. Dentro, Camila havia se tornado boa demais pra nós. Mesmo assim, quando Camila me convidou para jantar em sua casa com os meninos da sua panelinha, e o convite não incluía mais ninguém da minha, eu vibrei.

                Eu já havia sido convidada para atividades com os populares antes e sempre terminou comigo traumatizada e deprimida, mas a gente parece que não aprende mesmo. Fiquei um pouco apreensiva com o convite, mas caramba, já éramos praticamente adultos, mesmo com a apreensão eu pensei que podia ser um convite genuíno, afinal, no fundamental eu frequentava a casa de Camila, éramos aquele quarteto que até nome tinha, com reuniões mensais regadas a guloseimas, boys band e fofocas dos garotos da turma.

                Na noite da tal janta, meus pais tinham um jantar baile e, por uma dessas fatalidades, minha irmã acabou tendo o funeral da avó do meu cunhado. De qualquer forma, ela tinha absoluto pânico de direção, a ideia é que eu voltaria pra casa de carona com o próprio pai de Camila, após o filme programado para depois da janta – ou seja, seja como fosse, eu estaria presa nessa janta até a hora da carona.

                Escolhi minha melhor roupa, peguei uma bolsinha emprestada com a minha irmã – dessas de festa mesmo, me maquiei e fui, de carona com meus pais, que me largariam lá e seguiriam para o baile. Minha irmã, super protetora e com um dom único de reconhecer ausência de caráter só olhando no olho das pessoas, protestou. Chegou a sugerir que seria bem mais divertido chamar uma pizza e alugar uns filmes pra minha noite sozinha em casa. Minha mãe, por sua vez, sabia o quanto era importante pra mim ser aceita, me sentir parte, então segurou forte minha mão e desejou uma linda noite quando eu saía do carro.

                É claro que eu não tinha como chegar naquele ambiente totalmente hostil agindo como se estivesse no paraíso. Como poderia eu ignorar que no dia anterior eu era o motivo de piada daquelas mesmas pessoas? Tentei ser o mais sociável possível, mas eu chegava a sentir dor muscular da tensão no meu corpo, eu estava dura, rígida, e genuinamente morrendo de medo.

                Nesses primeiros instantes a coisa não fugiu muito do que era “normal” – os meninos debochando de alguém da turma e falando em códigos com o propósito de me manter alheia à conversa da qual eu deveria estar participando. Entretanto, na hora que bateu a fome, descobri que a janta seria xis (cheeseburger). Eu tinha levado uns troquinhos por precaução, mas sabia que não tinha o bastante para comprar qualquer um do cardápio, precisava obrigatoriamente pegar o mais barato.

                Já nesse momento foi um inferno porque tentei avisar que não tinha dinheiro e precisaria do mais barato. Eles, todos bastante ricos, apenas riam da minha cara e me ignoravam. Também pedi que o meu fosse sem maionese porque o condimento, à época, me agredia o estômago. Desligaram o telefone sem eu fazer a menor ideia do que havia sido pedido pra mim.

                Mesmo com meus avisos de que eu não tinha dinheiro, a conta foi dividida igualmente. Entreguei tudo o que tinha na bolsa e sabia que o fato de não ter completado a minha parte na conta resultaria em muita humilhação futuramente. Àquela altura minha garganta já doía de vontade chorar por tudo o que já estava acontecendo em um lugar onde não havia qualquer refúgio. Eu não podia simplesmente pegar um papel e uma caneta e me encolher num cantinho escrevendo poesias, como fazia seguidamente no colégio.

                Quando os lanches chegaram, o circo de horrores tomou outra proporção. Os lanches foram distribuídos pela mesa, exceto o meu. Um dos rapazes – o mais cruel de todos – embrulhou meu lanche num saco plástico, o amassou e colocou por dentro da própria blusa. Estava eu, entre eles, na mesa, com o prato vazio enquanto todos comiam seus lanches e conversavam animadamente como se nada estivesse acontecendo.

                Era evidente que meu lanche não seria entregue. Pelo menos não tão cedo, e eu sabia que provavelmente nem conseguiria comer a papa que devia estar o sanduíche amassado por dentro da camiseta do menino. Me levantei da mesa e fui ao banheiro, sabendo que nem assim poderia chorar porque ficaria evidente na minha maquiagem.

                Na volta do banheiro, percebi que minha bolsa não estava exatamente onde a tinha deixado, mas eu estava tão tensa e assustada que nem considerei o fato. Sentei outra vez na mesa, diante do prato vazio e aguardei. Quando todos finalizaram seus lanches, o rapaz me entregou o meu. A sacola estava suada, lembro de sentir um nojo indescritível e cogitei simplesmente jogar fora. Mas ali eu estava desprovida de qualquer iniciativa própria, eu apenas agia conforme se esperava de mim.

                Abri o lanche todo amassado e dei a primeira mordida. Cuspi no prato tudo de volta ao ver minha boca invadida pelo gosto levemente azedo justamente daquele condimento que solicitei não ter no meu lanche. Ao redor do sanduíche explodia maionese – não apenas haviam solicitado porções extras de maionese no meu lanche como haviam colocado bisnagas inteiras enquanto eu estava no banheiro. Maionese me agredia o estômago, mas por sorte não passava disso, se eu fosse alérgica eles podiam ter me matado naquela noite.

                Obviamente, quando cuspi o sanduíche houve uma explosão de risadas. Depois da graça, todos foram se encaminhando para a sala de tv. Eu permaneci na mesa mais uns instantes antes de buscar minha bolsa num sofá próximo. Foi no instante em que me aproximava da sala de tv com a bolsa cruzada no ombro que ouvi os meninos denunciando ao pai de Camila que eu estava tentando roubar coisas da casa.

                Logo que cheguei eles “brincaram” de colocar pequenos enfeites na minha bolsa, mas eu estava presente; não conseguia impedi-los, mas retirava os objetos e recolocava-os em seus lugares, então me assustei, quando ouvi a denúncia sabia que algo seria encontrado na minha bolsa. Eu estava tão apavorada que não consegui abrir a bolsa a tempo da chegada do pai de Camila bem diante de mim pedindo que eu a abrisse.

                Eu tremia. Todos eles estavam parados na porta com sorrisos gigantes apenas esperando a revelação da “pegadinha” para cair na gargalhada. Abri a bolsa e dentro estava um cinzeiro de cristal. O pai de Camila retirou o objeto de dentro e o recolou no lugar sem dizer uma única palavra. Os meninos não riram na frente dele para não deixar claro que eles haviam feito aquilo. Desconfio que o pai dela não acreditou de fato que eu havia tentado roubar o objeto, mas nunca saberei.

                A questão é que ali a humilhação ultrapassou absolutamente todos os limites aceitáveis. Àquela altura segurar o choro me provocava dor física. Pedi para usar o telefone e liguei pra minha irmã. Ela venceu o medo e foi me buscar, e foi a última vez que ela dirigiu na vida.

                Já no carro explodi em um pranto absolutamente dolorido. Em casa, minha irmã ligou para a casa de Camila, falou inicialmente com ela mesma, cobrando como ela podia ter permitido que tudo isso acontecesse com uma amiga dela dentro da casa dela. Depois falou com o pai, igualmente revoltada que permitiram tanta humilhação a um ser humano entre suas paredes. No dia seguinte foi a vez de meu pai ligar para os pais de alguns dos presentes na janta.

                Não reagi a isso, não tinha mais energia para tal, mas eu sabia que as ligações me dariam problemas. Eu estava certa, além das bisnagas de maionese que surgiam na minha mochila diariamente (num dos dias estouraram com o calor, destruindo um dos meus cadernos por completo), as palavras do meu pai e da minha irmã viraram piada.

                Anos depois um dos rapazes me procurou e pediu desculpas. Não o grande responsável, nem Camila, mas o reconhecimento desse rapaz aliviou um pouco meu coração. Nem todos meus algozes são monstros. Alguns deles até amadureceram!

                Já deixo claro que misturei os anos. Lembro das bisnagas de maionese na minha mochila no ano anterior ao que cito aqui – talvez tenha sido outra situação, já que minha sensibilidade à maionese veio de infância e durou por muitos anos – mas independente do ano, eu infelizmente jamais serei capaz de esquecer desse jantar.

                Já não luto mais pra esquecer. Minha luta hoje é pra superar. Perdoar, talvez, já que essa mágoa que ficou só faz mal a mim. Triste, entretanto, é saber que ainda tenho muito o que contar...

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SOBREVIVÊNCIA não é uma série de ficção. Não apenas os fatos aqui relatados são totalmente reais, como, em diferentes formas, se repetem diariamente com milhares de pessoas.

sábado, 5 de dezembro de 2015

Saindo do armário. Literário.

                Já fiz mil desabafos sobre a minha trajetória literária, esse ano mesmo fiz um post gigante contando meu caminho até 2015 com o lançamento do meu livro. Eu não fazia ideia que eu teria ainda mais material de base para dizer “estou chegando lá”.

                Uma coisa que creio jamais ter comentado, e julgo ser esse o momento mais oportuno, é que a lembrança mais antiga que tenho na vida, por volta de 1 ano de idade, sou eu criando histórias. Guardo com carinho o meu “cheirinho” da infância, o livro Batalhão das Letras, de Mário Quintana.

                Isso sequer é algo que minha mãe me relatava, é de fato uma lembrança genuína minha, segurando com as pequenas mãos aquele livro e ficando por horas em cada página, porque o misto de personagens e situações em cada página me permitia uma longa viagem em minha imaginação. Eu lembro com tanta clareza e não preciso abrir o livro para descrever algumas de suas páginas.

                Ser escritora pra mim não é um passatempo nem uma terapia. Não é uma forma de botar pra fora meus sentimentos, não é algo que eu faça pra me divertir. É tudo isso e muito mais. É DNA, é oxigênio, é célula. É minha composição.

                Mesmo assim eu demorei pra... sair do armário. Participava de um concurso aqui, outro ali, guardava textos a 7 chaves. As minhas depressões e meus traumas me fizeram me sentir indigna de ser uma ESCRITORA. Eu queria oferecer ao mundo coisas realmente boas, queria me imortalizar no coração dos leitores, e não me achava boa o bastante pra isso.

                Eu também não sabia ao certo o que era ser escritor, já que conhecia muita gente que não curtia literatura assim se identificava por manter um diário ou escrever um ou outro verso aqui e ali. Eu me sentia mais ou menos como um encanador se sentiria se eu saísse dizendo que sou encanadora porque consegui apertar o cano da pia do banheiro com sucesso uma vez.

                Isso me incomodava. Profundamente. Decidi que não poderia ser uma escritora porque todo mundo que não dava a mínima pra literatura já o era.

                Mas era esse meu sonho de infância. Eu precisava deixar pra trás esse meu incômodo ditatorial de achar que eu tinha o direito de dizer o que cada um pode ou não ser. Me dei conta que a literatura é tão fascinante que todo mundo quer fazer parte dela e isso não pode ser algo ruim. Que escrevam! Que produzam! Mas que por favor, se importem.

                Depois de anos produzindo pouco e discretamente, entendi que não havia caminhos viáveis na minha vida sem palavras. Para onde quer que eu vá, a literatura me encontra. Ela sempre está lá. Não havia como fugir dela. Com a maturidade, entendi que eu também não queria ela fora da minha vida.

                No final de 2014 eu me assumi escritora. Não oficialmente ainda. Assinei contrato pra publicar um livro escrito 7 anos antes, mas ainda não sabia ao certo como isso terminaria. Foi em meados desse ano que eu, publicamente, me libertei das amarras do passado e falei pela primeira vez em alto e bom tom: EU SOU ESCRITORA.

                Isso aconteceu quando venci em duas categorias um concurso que eu havia arriscado sem sucesso anos atrás. Eu via meus amigos e conhecidos anunciados no jornal e pensava que talvez jamais chegaria lá. Com o livro publicado, arrisquei mais uma vez e, dessa vez, foi meu nome que saiu no jornal. Duplamente.

                Opa. Será?

                Vamos ver o que vai dar. Eu já tinha ganhado alguns prêmios antes, 6 para ser bem exata. 7 com um em propaganda. 3 num único concurso em 2012.

                Mas então, sua tonta, com 7 prêmios no currículo, por que diabos você não se sentia ainda digna para se dizer escritora?

                Não sei. Não faço a mais vaga ideia. Mas era isso, e tanto o era que meu último concurso tinha sido em 2012. Daí eu voltei. Na véspera do encerramento escrevi 3 dos 6 textos premiados. E não parei mais.

                Chego em dezembro de 2015 com 14 prêmios, 8 deles conquistados esse ano, 5 deles recebidos nas últimas duas semanas.

                Eu não vou parar. Não sei quantos concursos vou conquistar pela frente, se vou participar, inclusive. Mas posso garantir desde já: eu não vou parar. Enquanto houver oxigênio nos meus pulmões, escreverei.

                Muito obrigada a todos que me acompanham e torcem por mim. Muito obrigada por darem significado a tudo isso. Muito obrigada por dedicarem tempo a mim, aos meus textos, às minhas histórias. Dedico cada um desses prêmios a cada um de vocês.









segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Meus prantos

Desabafarei minhas dores em uma página qualquer
Destilarei amores, derrubarei meus prantos
Sei que de minha alma arrancarei versos
Perversos
Sei que de minhas feridas sairão navalhas
Que ferirão você.
Desabafarei minhas dores engolindo o choro
Mantendo secretas minhas mágoas
Amargarei a solidão da culpa
Conviverei com o medo
De partir teu coração.
E mesmo assim partirei
E dedicarei meus versos

A implorar o teu perdão.


segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Livres

                Ainda estou aprendendo a amar.

                Olho teus olhos no espelho e tudo o que consigo pensar é se algum dia serei capaz de te deixar escolher entre você e nós.

                Abri mão de tantos sonhos e vontades em que você jamais se encaixaria por crer que tudo o que poderíamos construir valeria a pena, sem perceber que eu te aprisionava como um pássaro de asas cortadas. Jamais quis te ferir, e foi justamente assim que arranquei um pedaço de ti.

                Ainda estou aprendendo a amar sem amarrar. Não é algo simples, mas quando avisto teus olhos tristonhos no espelho da penteadeira, sei que estou errando contigo. Sei que construí uma gaiola ao seu redor e eu mesma perdi a chave.

                Quisera eu ser assim tão capaz de te libertar de mim mesma sem te perder, porque não sou tua algoz, sou quem daria a vida por ti. Vejo que me tens muito mais como uma carrasca do que como um amor. Isso me fere tanto quanto a ti.

                Ainda estou aprendendo a amar, tentando agir de forma a te deixar livre sem precisar te ver partir.

                Abro a porta do quarto. Sinto a brisa leve invadir a alcova. Você se cobre. Eu sorrio. Não parece disposto a partir. Até que as asas voltam a crescer. Te vejo passar pela porta sem me mover. Me propus a te libertar e vou até o fim.

                A porta se fecha com você do lado de fora. Sei que te perdi.

                Ainda estou aprendendo a amar. Um aceno silencioso que você nunca viu e eu me recolho ao meu pesar.

                Antes mesmo que eu pudesse perceber, eu sabia que também estava livre.

                E nos reencontramos. E voamos juntos.


sábado, 21 de novembro de 2015

Pilhas

                Éramos pilhas e pilhas de amores incompreendidos, impossíveis, inconvenientes. Éramos o que o mundo não queria ver. Éramos simplesmente amantes sob o luar sem juras de amor porque juras são nada perto de beijos, abraços e atos.

                Não tínhamos certeza, tínhamos fé. Não em coisas invisíveis, mas em nós mesmos. Lutávamos tanto e com tanta força que jamais nos foi dúvida que duraríamos até o próximo amanhecer. Querendo o mundo ou não.

                E o mundo nunca quis.

                Éramos pilhas e pilhas.

                E túmulos.


quarta-feira, 18 de novembro de 2015

A fuga da folha

            Munia-se de letras. Eram muitas, aguerridas, corajosas como só os grandes heróis conseguem ser. Ela, uma garotinha franzina e medrosa, sentia-se invencível quando munida de letras.

            Entre parágrafos e paráfrases, compunha melodia. Entre sílabas tônicas e pontos finais criava mundos novos onde antes havia o nada. Do vazio, histórias. Tinha predileção por histórias apocalípticas. Era dramática como uma onomatopeia dolorida.

             Tsunamis de ideias, temporais de símbolos gráficos que a avisavam que os caracteres podiam estar em perigo. Tentou no teclado, sentiu-se nua. Foi à mão, armada de uma caneta e papel, resgatar letra a letra de um abismo de não-inspiração para o encantamento de mais uma história nascida com gotinhas de tinta azul.

            Era metáfora. Toda ela. Hipérboles pediam passagens e o casamento do “ão” estava prestes a começar. Mundão! Ô mundão! Se houver guerra de letras, o casal não há de conceder perdão.

            Passos à frente, um novo perigo. Uma página corria fugida ainda sem nenhuma linha de letras escritas ostentar! Pega fujona! Página, em branco, não pode ficar! Corriam palavras pré-pronta em desespero, se a página foge pra onde elas vão?

            A nossa escritora não se deu por vencida. A força das letras não se entregaria à página entregue ao sabor do vento. Sem ela, o que faria? Qualquer superfície havia de servir, e com sua espada de ponta azul, registrou em seus próprios braços as palavras que antes temiam a morte e agora encontravam na epiderme o seu lar.

            Escritores sempre encontram um meio de libertar as palavras e dar-lhes um cantinho para descansar.