Era
fevereiro de 2007, exatos 10 anos, quando eu tive aquele sonho. Aquele que me
fez acordar meio chocada, atônita. Aquele em que eu, tal qual uma espiã atrás
da porta, espiei Júlia e Toni em pleno ato sexual.
Eu era
demasiadamente puritana e aquele sonho me incomodou. Mas aí ele voltou, e de
novo, e de novo e eu entendi que tava na hora de escrever sobre ele. Era pra
ser um conto, mas peraí, eu não escrevo contos eróticos!
Descartado
o conto exclusivamente sobre aquela transa, eu precisava construir uma história
ao redor; eles precisavam ter um motivo para estarem na cama, em especial se
tratando de uma jovem e um homem de meia idade.
Daí
aquela história foi crescendo e foi ficando grande e complexa demais pra um
conto. Mas faltava alguma coisa... faltava VIDA praqueles personagens. Uma
história, um porquê. Assim como meus leitores, eu também queria saber o que
tinha acontecido antes.
Então
Júlia e Toni me guiaram e eu construí o começo.
Foram 3
semanas ao som constante de Three Doors Down – Here Without You. 3 semanas que
eu me emprestei por inteira a Júlia e Toni. Ao final delas, aos 24 anos, eu
realizava o sonho de vida inteira de ter um livro escrito.
Na
época, o concurso literário da minha cidade premiava narrativa longa com
publicação da obra e eu arrisquei. Com o prazo estourado, a escolha do nome foi
fruto de duas situações: eu queria um nome que eu pudesse tatuar e eu estava
com uma música da Marisa Monte na cabeça que tem “depois de tudo” em um de seus
primeiros versos.
Ficou.
Tattoo, posteriormente reformada e melhorada
Pouco
depois perdi o concurso.
Mas eu
tinha um sonho e eu correria atrás dele a todo custo. Foi então que, ansiosa,
descobri que o marido da minha prima, dono de gráfica expressa, fazia
impressões em formato de livro; peguei uma imagem na internet e pedi para o meu
até então chefe, Argemiro Nora, copiasse a imagem como um desenho e fiz uma
capa.
E assim
nasceu a primeira versão de Depois de Tudo.
Com
essa encadernação na mão, fui à Porto Alegre – isso era julho de 2007 – e passei
uma semana lá. Tudo bem que nesse meio tempo eu fui ao Beira Rio entregar um
conto ao eterno ídolo colorado Fernandão (falecido em um acidente de
helicóptero em 2014), mas fora esse inesquecível e inestimável encontro, passei
o resto da semana batendo na porta de várias editoras buscando a tão sonhada
publicação.
Como
era de se esperar, portas e mais portas na cara. Mas uma, alguns dias depois,
aprovou. Tinha um conhecido meu publicando por ela (fui até no lançamento) e eu
fiquei toda empolgada com a aprovação. Era finalzinho de 2007 e, depois de
quase um ano, eu havia conseguido uma editora.
Só que
nem tudo são rosas, não é mesmo? O sistema era autopublicação e o livro me
custaria em torno de 8 mil. Eu não tinha onde cair morta. Mas eu não sou de
desistir fácil e comecei a montar um projeto de patrocínio.
O
projeto até ficou pronto, era tão amador que eu certamente não captaria nem 1
real, mas eu tava lutando. Só que, no começo de 2008 a editora que aprovou
simplesmente desapareceu. Evaporou. Puff. O telefone chamava até cair, até que
por volta de fevereiro de 2008 ele simplesmente foi desligado. O e-mail começou
a voltar com aviso de caixa cheia.
Fim do
sonho. Na real, olhando pra trás e sendo realista, eu sei que não teria
conseguido captar a verba, então a editora desaparecer não foi o homicídio do
sonho, foi apenas a terra sobre o caixão.
E então
eu fui demitida do meu emprego em março de 2008. Como fiz bons contatos na produção
de vídeo e já era reconhecida como roteirista, investi nisso e atuei
exclusivamente com roteiros até 2010. Foi ainda no final de 2008 que um amigo,
dono de uma produtora e namorado de uma fotógrafa, topou um projeto inusitado:
um clipe do livro.
Naquela
época ainda não existia a moda dos vídeos de livros, até porque o youtube ainda
era um bebê. Mas antes de roteirizar meu livro, eu resolvi revisar, e foi assim
que, durante os 3 primeiros meses de 2009, eu revisei , modifiquei e ampliei
toda a obra. Ainda era o mesmo livro, mas muito mais maduro, complexo e
completo. E claro, mudei a capa. Dessa vez com uma novidade: no final de 2008 troquei meu nome civil, Márcia Bastian Falkenbach, pelo recém criado nome artístico, Maya Falks.
Roteiro
feito, começamos a produzir. A minha ideia era apresentar o vídeo para editoras
como forma de vender o livro; eu tinha a ilusão de que eu teria dinheiro e tempo
pra viajar ao centro do país e ser recebida pelos maiores editores. Nesse meio
tempo eu mandava e-mails e cartas para essas editoras sem ter recebido nenhum
tipo de retorno.
Story board do vídeo
Logo
depois dos nossos primeiros movimentos para gravar o vídeo, eu entrei em depressão
profunda e minha vida ficou suspensa no ar.
Não foi fácil, mas, ao final daquele ano, retomamos as gravações, só
que... o vídeo nunca ficou pronto (até com a Sony Music eu fiz contato pra
conseguir autorização para usar uma música sob seu catálogo, sempre fui muito
cara de pau).
Segunda tentativa de gravação do vídeo
Tudo
bem, vida que segue. Em 2010 me mudei pra Porto Alegre pra trabalhar com
publicidade e joguei o sonho da publicação para baixo do tapete. Apesar de ter
ganho alguns prêmios nesse período, a literatura virou coadjuvante na minha
vida. Eu morava sozinha e trabalhava feito um cavalo, até minhas leituras
praticamente pararam (as leituras, a compra de livros seguiu firme e forte).
Parecia
tudo bem (em termos) até que a crise se abateu. Perdi o emprego, perdi o
apartamento e voltei pra casa dos pais no interior com o rabinho entre as
pernas. Era o fim do sonho publicitário e o literário estava enterrado há
tempos. Era o fim de tudo pra mim, e eu levei um ano pra me sentir gente de
novo. Era o ano de 2013 e eu estava com 31 anos.
Por
volta da metade de 2014, um escritor da minha cidade leu aquela versão impressa
em gráfica expressa e veio me puxar a orelha. Dizia ele que meu livro era bom demais
para ficar para sempre na minha gaveta.
Pensei
mil vezes antes de recomeçar. Era doloroso demais levar porta na cara. Era
doloroso demais não ter chance alguma por ser apenas uma mulher do interior do
RS sem dinheiro, contatos, influência nem “padrinhos”, e não alguma
pseudo-celebridade sendo publicada sem nenhum mérito literário. Mas era minha
realidade e minha única opção era tentar.
Daí um
contato do facebook anunciou o lançamento de um livro de poesias. Mas espera,
eu tinha uma história com livro de poesias que tinha me marcado, onde disseram
que ninguém publica poesias de desconhecidos. Se meu amigo publicava poesias,
talvez aquela editora me aprovasse também.
Arrisquei.
Passei.
Meu
livro, depois de 8 anos, tinha sido aprovado por uma editora – a primeira que
efetivamente recebeu meu original (e claro que me passou pela cabeça que eu
teria conseguido uma editora grande se alguém tivesse se dado o trabalho de ler
o livro).
Assinei
contrato em outubro de 2014, na sala de autógrafos da feira do livro da minha
cidade. Corri para contar para todos meus amigos livreiros e fiz um acordo com
um distribuidor (tomei no c* com ele depois, mas é parte da vida, né não?).
Assinatura do primeiro contrato
Em
janeiro de 2015 vieram 3 opções de capa. Eu estava na praia sem internet, vocês
não imaginam a trabalheira que deu conseguir olhar as capas. Mas a escolha foi
fácil e no mesmo dia eu avisei a editora qual a capa tinha sido escolhida.
Aquele
que seria meu distribuidor ficou segurando a impressão dos livros, que já
estava atrasada e só largou a moita quando já era quase tarde demais. Eu tava
num stress louco porque o lançamento tava agendado, a editora não ajudou com
NADA (sequer divulgaram na página ou no site que o livro estava sendo lançado),
eu gastei TODAS as minhas parcas economias de quem tava desempregada desde 2013
com meu material de divulgação e o Bradesco, em vez de me liberar o crédito no
cartão, cancelou ele sem querer. Eu estava na semana do lançamento com mais de
mil em contas pra pagar e sem um puto pila no bolso.
Nisso,
os livros chegariam pra mim na véspera do lançamento, de avião. A MINHA SORTE é
que minha madrinha conseguiu um motorista que me levou à Porto Alegre pra
buscar, na sexta-feira, porque eu não tinha grana pra pegar dois ônibus e dois
táxis até lá pra voltar com 80 livros no colo.
Como
stress pouco é bobagem, o livro veio com um preço de capa completamente
descabido (50$ gente, nem eu compraria meu livro se não fosse meu), a
cabeleireira que eu marquei pra fazer o cabelo no dia chegou atrasada do almoço
e começou a atender outra pessoa antes (bati o pé e ela me atendeu na hora), a
sapatilha que eu comprei (5x no cartão do cunhado) deu bolha e eu passei com
dor o dia todo e ainda caiu um temporal na hora do lançamento. A cereja do bolo
é que, mesmo tendo mandado mil releases, a única notícia que saiu do meu
lançamento foi uma notinha beeeem pequena 4 dias DEPOIS.
Mas ok,
né? No fim deu tudo certo, então bola pra frente! O livro vendeu exatamente 29
exemplares no dia do lançamento, o que nem de longe é um número ruim pra uma
autora completamente desconhecida, num lançamento que não foi noticiado em
lugar nenhum e com um livro custando “ozoio” da cara.
Só que,
logo depois que eu assinei o contrato com a editora, ela mudou de
posicionamento e virou praticamente uma editora de autopublicação. Eu não
paguei nada pelo meu livro, mas também ele virou um peso de porta. Só tinha à
venda no site da editora e da Cultura, no da Cultura tava 10 reais mais caro,
quem comprava levava 2 meses pra receber e eu comecei a receber reclamações
pelo descaso.
Sem
nunca ter de fato tido qualquer divulgação, considerei Depois de Tudo um
fracasso total e completo. Faturei R$ 23,30 em direitos autorais no segundo ano
de contrato, por exemplo.
De saco
cheio e acreditando no potencial do livro, voltei a fazer contato com grandes
editoras. Uma delas – que era a que eu considerava a melhor pra esse tipo de
obra – se interessou e pediu que eu voltasse a contatar em 2016. Ia ser
realmente foda esperar um ano, mas cara, era uma editora gigante, território
nacional, chance de tradução. Valia a pena.
Sosseguei
o facho e esperei um ano. Terminado o prazo, e durante o desastroso ano de
2016, voltei a fazer contato e o retorno que recebi foi “não reeditamos obras”.
Me
senti um lixo. Ali eu perdi meu chão, senti o mundo desabar sob meus pés e
resolvi que era hora de sepultar de vez o sonho do Depois de Tudo. Cheguei a
fazer um post grande anunciando o fim do meu primogênito.
Até que
um dia... uma amiga me marcou no post de uma agente literária e ela me
procurou. Contei minha situação e enviei meu livro, meu amado e quase finado
Depois de Tudo.
Passado
um tempo, a agente voltou. Havia uma proposta de publicação. Sim, havia uma
editora disposta a manter Depois de Tudo vivo. E foi então que, no final de
2016, assinei contrato com a Editora Alicanto, para ser o primeiro romance com
esse selo que veio pra ficar.
Eu não
estava mesmo realmente disposta a desistir dele. Ele foi o último livro que
minha saudosa avó materna leu; ele importava. Ele tinha 100% de aprovação entre
os leitores, o único problema dele era ser inacessível, e isso a Alicanto está
disposta a resolver.
E
então, semana passada, Depois de Tudo ganhou sua “roupa” nova.
Capa nova!
Depois
de Tudo renasceu. De novo. Um livro perseverante. Um livro pelo qual lutei nos
últimos 10 anos. Não é apenas o primeiro livro que de fato me lançou como
escritora; ele é a materialização da minha teimosia.
Eu tive
mil vezes a opção de desistir.
Eu não
desisti.
Em
abril, Depois de Tudo está de volta.