quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Depois de Tudo, um livro que daria um livro!

                Era fevereiro de 2007, exatos 10 anos, quando eu tive aquele sonho. Aquele que me fez acordar meio chocada, atônita. Aquele em que eu, tal qual uma espiã atrás da porta, espiei Júlia e Toni em pleno ato sexual.

                Eu era demasiadamente puritana e aquele sonho me incomodou. Mas aí ele voltou, e de novo, e de novo e eu entendi que tava na hora de escrever sobre ele. Era pra ser um conto, mas peraí, eu não escrevo contos eróticos!

                Descartado o conto exclusivamente sobre aquela transa, eu precisava construir uma história ao redor; eles precisavam ter um motivo para estarem na cama, em especial se tratando de uma jovem e um homem de meia idade.

                Daí aquela história foi crescendo e foi ficando grande e complexa demais pra um conto. Mas faltava alguma coisa... faltava VIDA praqueles personagens. Uma história, um porquê. Assim como meus leitores, eu também queria saber o que tinha acontecido antes.

                Então Júlia e Toni me guiaram e eu construí o começo.

                Foram 3 semanas ao som constante de Three Doors Down – Here Without You. 3 semanas que eu me emprestei por inteira a Júlia e Toni. Ao final delas, aos 24 anos, eu realizava o sonho de vida inteira de ter um livro escrito.

                Na época, o concurso literário da minha cidade premiava narrativa longa com publicação da obra e eu arrisquei. Com o prazo estourado, a escolha do nome foi fruto de duas situações: eu queria um nome que eu pudesse tatuar e eu estava com uma música da Marisa Monte na cabeça que tem “depois de tudo” em um de seus primeiros versos.

                Ficou.

Tattoo, posteriormente reformada e melhorada

                Pouco depois perdi o concurso.

                Mas eu tinha um sonho e eu correria atrás dele a todo custo. Foi então que, ansiosa, descobri que o marido da minha prima, dono de gráfica expressa, fazia impressões em formato de livro; peguei uma imagem na internet e pedi para o meu até então chefe, Argemiro Nora, copiasse a imagem como um desenho e fiz uma capa.

                E assim nasceu a primeira versão de Depois de Tudo.

Primeira capa amadora

                Com essa encadernação na mão, fui à Porto Alegre – isso era julho de 2007 – e passei uma semana lá. Tudo bem que nesse meio tempo eu fui ao Beira Rio entregar um conto ao eterno ídolo colorado Fernandão (falecido em um acidente de helicóptero em 2014), mas fora esse inesquecível e inestimável encontro, passei o resto da semana batendo na porta de várias editoras buscando a tão sonhada publicação.

                Como era de se esperar, portas e mais portas na cara. Mas uma, alguns dias depois, aprovou. Tinha um conhecido meu publicando por ela (fui até no lançamento) e eu fiquei toda empolgada com a aprovação. Era finalzinho de 2007 e, depois de quase um ano, eu havia conseguido uma editora.

                Só que nem tudo são rosas, não é mesmo? O sistema era autopublicação e o livro me custaria em torno de 8 mil. Eu não tinha onde cair morta. Mas eu não sou de desistir fácil e comecei a montar um projeto de patrocínio.

                O projeto até ficou pronto, era tão amador que eu certamente não captaria nem 1 real, mas eu tava lutando. Só que, no começo de 2008 a editora que aprovou simplesmente desapareceu. Evaporou. Puff. O telefone chamava até cair, até que por volta de fevereiro de 2008 ele simplesmente foi desligado. O e-mail começou a voltar com aviso de caixa cheia.

                Fim do sonho. Na real, olhando pra trás e sendo realista, eu sei que não teria conseguido captar a verba, então a editora desaparecer não foi o homicídio do sonho, foi apenas a terra sobre o caixão.

               
 Pedaço do projeto de patrocínio

                E então eu fui demitida do meu emprego em março de 2008. Como fiz bons contatos na produção de vídeo e já era reconhecida como roteirista, investi nisso e atuei exclusivamente com roteiros até 2010. Foi ainda no final de 2008 que um amigo, dono de uma produtora e namorado de uma fotógrafa, topou um projeto inusitado: um clipe do livro.

                Naquela época ainda não existia a moda dos vídeos de livros, até porque o youtube ainda era um bebê. Mas antes de roteirizar meu livro, eu resolvi revisar, e foi assim que, durante os 3 primeiros meses de 2009, eu revisei , modifiquei e ampliei toda a obra. Ainda era o mesmo livro, mas muito mais maduro, complexo e completo. E claro, mudei a capa. Dessa vez com uma novidade: no final de 2008 troquei meu nome civil, Márcia Bastian Falkenbach, pelo recém criado nome artístico, Maya Falks.

Segunda capa amadora, já com nome artístico

                Roteiro feito, começamos a produzir. A minha ideia era apresentar o vídeo para editoras como forma de vender o livro; eu tinha a ilusão de que eu teria dinheiro e tempo pra viajar ao centro do país e ser recebida pelos maiores editores. Nesse meio tempo eu mandava e-mails e cartas para essas editoras sem ter recebido nenhum tipo de retorno.
               
Story board do vídeo

                Logo depois dos nossos primeiros movimentos para gravar o vídeo, eu entrei em depressão profunda e minha vida ficou suspensa no ar.  Não foi fácil, mas, ao final daquele ano, retomamos as gravações, só que... o vídeo nunca ficou pronto (até com a Sony Music eu fiz contato pra conseguir autorização para usar uma música sob seu catálogo, sempre fui muito cara de pau).
               
Segunda tentativa de gravação do vídeo

                Tudo bem, vida que segue. Em 2010 me mudei pra Porto Alegre pra trabalhar com publicidade e joguei o sonho da publicação para baixo do tapete. Apesar de ter ganho alguns prêmios nesse período, a literatura virou coadjuvante na minha vida. Eu morava sozinha e trabalhava feito um cavalo, até minhas leituras praticamente pararam (as leituras, a compra de livros seguiu firme e forte).

                Parecia tudo bem (em termos) até que a crise se abateu. Perdi o emprego, perdi o apartamento e voltei pra casa dos pais no interior com o rabinho entre as pernas. Era o fim do sonho publicitário e o literário estava enterrado há tempos. Era o fim de tudo pra mim, e eu levei um ano pra me sentir gente de novo. Era o ano de 2013 e eu estava com 31 anos.

                Por volta da metade de 2014, um escritor da minha cidade leu aquela versão impressa em gráfica expressa e veio me puxar a orelha. Dizia ele que meu livro era bom demais para ficar para sempre na minha gaveta.

                Pensei mil vezes antes de recomeçar. Era doloroso demais levar porta na cara. Era doloroso demais não ter chance alguma por ser apenas uma mulher do interior do RS sem dinheiro, contatos, influência nem “padrinhos”, e não alguma pseudo-celebridade sendo publicada sem nenhum mérito literário. Mas era minha realidade e minha única opção era tentar.

                Daí um contato do facebook anunciou o lançamento de um livro de poesias. Mas espera, eu tinha uma história com livro de poesias que tinha me marcado, onde disseram que ninguém publica poesias de desconhecidos. Se meu amigo publicava poesias, talvez aquela editora me aprovasse também.

                Arrisquei. Passei.

                Meu livro, depois de 8 anos, tinha sido aprovado por uma editora – a primeira que efetivamente recebeu meu original (e claro que me passou pela cabeça que eu teria conseguido uma editora grande se alguém tivesse se dado o trabalho de ler o livro).

                Assinei contrato em outubro de 2014, na sala de autógrafos da feira do livro da minha cidade. Corri para contar para todos meus amigos livreiros e fiz um acordo com um distribuidor (tomei no c* com ele depois, mas é parte da vida, né não?).

Assinatura do primeiro contrato

                Em janeiro de 2015 vieram 3 opções de capa. Eu estava na praia sem internet, vocês não imaginam a trabalheira que deu conseguir olhar as capas. Mas a escolha foi fácil e no mesmo dia eu avisei a editora qual a capa tinha sido escolhida.






                Aquele que seria meu distribuidor ficou segurando a impressão dos livros, que já estava atrasada e só largou a moita quando já era quase tarde demais. Eu tava num stress louco porque o lançamento tava agendado, a editora não ajudou com NADA (sequer divulgaram na página ou no site que o livro estava sendo lançado), eu gastei TODAS as minhas parcas economias de quem tava desempregada desde 2013 com meu material de divulgação e o Bradesco, em vez de me liberar o crédito no cartão, cancelou ele sem querer. Eu estava na semana do lançamento com mais de mil em contas pra pagar e sem um puto pila no bolso.

                Nisso, os livros chegariam pra mim na véspera do lançamento, de avião. A MINHA SORTE é que minha madrinha conseguiu um motorista que me levou à Porto Alegre pra buscar, na sexta-feira, porque eu não tinha grana pra pegar dois ônibus e dois táxis até lá pra voltar com 80 livros no colo.

                Como stress pouco é bobagem, o livro veio com um preço de capa completamente descabido (50$ gente, nem eu compraria meu livro se não fosse meu), a cabeleireira que eu marquei pra fazer o cabelo no dia chegou atrasada do almoço e começou a atender outra pessoa antes (bati o pé e ela me atendeu na hora), a sapatilha que eu comprei (5x no cartão do cunhado) deu bolha e eu passei com dor o dia todo e ainda caiu um temporal na hora do lançamento. A cereja do bolo é que, mesmo tendo mandado mil releases, a única notícia que saiu do meu lançamento foi uma notinha beeeem pequena 4 dias DEPOIS.

Carinha de acabada na volta de Porto Alegre

                Mas ok, né? No fim deu tudo certo, então bola pra frente! O livro vendeu exatamente 29 exemplares no dia do lançamento, o que nem de longe é um número ruim pra uma autora completamente desconhecida, num lançamento que não foi noticiado em lugar nenhum e com um livro custando “ozoio” da cara.

 Lançamento

                Só que, logo depois que eu assinei o contrato com a editora, ela mudou de posicionamento e virou praticamente uma editora de autopublicação. Eu não paguei nada pelo meu livro, mas também ele virou um peso de porta. Só tinha à venda no site da editora e da Cultura, no da Cultura tava 10 reais mais caro, quem comprava levava 2 meses pra receber e eu comecei a receber reclamações pelo descaso.

                Sem nunca ter de fato tido qualquer divulgação, considerei Depois de Tudo um fracasso total e completo. Faturei R$ 23,30 em direitos autorais no segundo ano de contrato, por exemplo.

                De saco cheio e acreditando no potencial do livro, voltei a fazer contato com grandes editoras. Uma delas – que era a que eu considerava a melhor pra esse tipo de obra – se interessou e pediu que eu voltasse a contatar em 2016. Ia ser realmente foda esperar um ano, mas cara, era uma editora gigante, território nacional, chance de tradução. Valia a pena.

                Sosseguei o facho e esperei um ano. Terminado o prazo, e durante o desastroso ano de 2016, voltei a fazer contato e o retorno que recebi foi “não reeditamos obras”.

                Me senti um lixo. Ali eu perdi meu chão, senti o mundo desabar sob meus pés e resolvi que era hora de sepultar de vez o sonho do Depois de Tudo. Cheguei a fazer um post grande anunciando o fim do meu primogênito.

                Até que um dia... uma amiga me marcou no post de uma agente literária e ela me procurou. Contei minha situação e enviei meu livro, meu amado e quase finado Depois de Tudo.

                Passado um tempo, a agente voltou. Havia uma proposta de publicação. Sim, havia uma editora disposta a manter Depois de Tudo vivo. E foi então que, no final de 2016, assinei contrato com a Editora Alicanto, para ser o primeiro romance com esse selo que veio pra ficar.

Anúncio da Alicanto

                Eu não estava mesmo realmente disposta a desistir dele. Ele foi o último livro que minha saudosa avó materna leu; ele importava. Ele tinha 100% de aprovação entre os leitores, o único problema dele era ser inacessível, e isso a Alicanto está disposta a resolver.

                E então, semana passada, Depois de Tudo ganhou sua “roupa” nova.

 Capa nova!

                Depois de Tudo renasceu. De novo. Um livro perseverante. Um livro pelo qual lutei nos últimos 10 anos. Não é apenas o primeiro livro que de fato me lançou como escritora; ele é a materialização da minha teimosia.

                Eu tive mil vezes a opção de desistir.

                Eu não desisti.
                Em abril, Depois de Tudo está de volta.