Todo princípio de primeiro grau tem
suas frescuras. Na segunda série tinha uma caixinha no canto da sala, onde a
gente depositava bilhetinhos para os colegas. Toda a sexta-feira a maldita
caixinha era aberta e a professora, toda contente, distribuía os bilhetes entre
os destinatários. Quase na metade do ano meu nome foi lido pela primeira vez,
era uma colega dizendo que gostara da minha borracha e a queria de presente.
Como toda boa rejeitada, excluída,
imbecil procurando um amigo, e de tão emocionada, corri em direção à minha
colega e dei-lhe a borracha. Ela nem me agradeceu e meu mundo caiu. Principalmente
quando ela entregou minha borracha para outra colega e disse que eu havia
caído... Cristo, todos tínhamos 8 anos! Como podia crianças de 8 anos ser tão
cruelmente espertas? Como podiam elas terem se aproveitado de uma fraqueza
minha para me atingir?
Tudo bem, preciso admitir uma mentira
minha aqui, para aliviar a consciência, eu já havia recebido um ou outro
bilhete antes, mas sempre daquelas crianças franzinas de canto de sala. Eu
também era cruelmente esperta, porque a mim sempre servia só os populares, e
repeti por tantas vezes esse erro que paguei por ele até a faculdade! Só que eu
não tinha maldade, malícia, malandragem, e sigo ingênua até hoje, incapaz de
prejudicar meu pior inimigo, e não me envergonho disso, pelo menos eu durmo
tranquila hoje. Se bem que na época eu dormia mais cedo, porque chorar me dá um
sono... enfim, eu queria ser popular, eu teria vendido mesmo minha alma por
isso.
O que eu nunca me conformei até a
formatura é eu não ter tido talento para ser popular, e os outros viam isso,
por isso fui muito estimulada a executar tarefas em que eu pudesse me fechar no
meu mundinho mágico de a menina mais amada da turma.
Mas temendo um trauma irreversível,
minha querida professora cometeu um erro do qual não fui capaz de esquecer.
Entre as tarefas de natal, estava escrever bilhete para mim! Que humilhante! No
fim daquela semana recebi 29 bilhetes, e por pouco não perdi nota por não ter
mandado um bilhete para mim mesma. Alguns me desejavam feliz natal com uma
honestidade comovente (captaram a ironia?), outros continham pequenos desenhos
daquele tipo que só o desenhista entende, outros tinham um simples “oi”, outros
tinham a assinatura do remetente e outros simplesmente não tinham um único
risco. Esses foram os mais sinceros. Para não generalizar tanto, haviam uns
três bonitinhos escritos com alguma vontade por aquelas pessoas que
simplesmente não me detestavam.
Claro, guardei todos os que tinham
algum escrito e contei os segundos para o sábado, queria me gabar para as
minhas primas, mesmo sem moral nenhuma, porque para elas receber 29 bilhetes
era a coisa mais normal do mundo, e ninguém era obrigado a faze-lo, elas eram
populares.
Até aquela época, as coisas ainda eram
sossegadas, eu só me frustrava por não ser o centro das atenções. Só que eu
tinha um problema dentro dessa minha ridícula mania de querer aparecer: eu era
uma criança inteligente, com muita facilidade de aprender, e isso incomodava
alguns colegas, especialmente tendo uma professora que me chamava de salvadora
da pátria toda a vez que eu acertava uma resposta, e isso acontecia muitas
vezes por dia. Hoje, me colocando no lugar deles, entendo que devia ser muito
irritante.
Pense bem, com 8 anos ainda não há a
concorrência do corpo. Qual o trunfo que se tem para se achar grande coisa? Ser
o xodó do professor, ser a aluna número um. E essa era eu. O alvo da ira,
inveja dos coleguinhas. Só que eu tinha uma característica peculiar que os mais
cruéis sabiam aproveitar com uma maestria assustadora: obesidade.
Estava armado o circo. A humilhação da
caixinha de bilhetes era só o começo.
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SOBREVIVÊNCIA não é uma série de ficção. O texto acima foi retirado da obra original "Sobrevivência - Relatos do inferno, fui corinho no colégio" - obra não publicada.