sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

SOBREVIVÊNCIA - A caixinha de bilhetes


Todo princípio de primeiro grau tem suas frescuras. Na segunda série tinha uma caixinha no canto da sala, onde a gente depositava bilhetinhos para os colegas. Toda a sexta-feira a maldita caixinha era aberta e a professora, toda contente, distribuía os bilhetes entre os destinatários. Quase na metade do ano meu nome foi lido pela primeira vez, era uma colega dizendo que gostara da minha borracha e a queria de presente.

         Como toda boa rejeitada, excluída, imbecil procurando um amigo, e de tão emocionada, corri em direção à minha colega e dei-lhe a borracha. Ela nem me agradeceu e meu mundo caiu. Principalmente quando ela entregou minha borracha para outra colega e disse que eu havia caído... Cristo, todos tínhamos 8 anos! Como podia crianças de 8 anos ser tão cruelmente espertas? Como podiam elas terem se aproveitado de uma fraqueza minha para me atingir?

         Tudo bem, preciso admitir uma mentira minha aqui, para aliviar a consciência, eu já havia recebido um ou outro bilhete antes, mas sempre daquelas crianças franzinas de canto de sala. Eu também era cruelmente esperta, porque a mim sempre servia só os populares, e repeti por tantas vezes esse erro que paguei por ele até a faculdade! Só que eu não tinha maldade, malícia, malandragem, e sigo ingênua até hoje, incapaz de prejudicar meu pior inimigo, e não me envergonho disso, pelo menos eu durmo tranquila hoje. Se bem que na época eu dormia mais cedo, porque chorar me dá um sono... enfim, eu queria ser popular, eu teria vendido mesmo minha alma por isso.

         O que eu nunca me conformei até a formatura é eu não ter tido talento para ser popular, e os outros viam isso, por isso fui muito estimulada a executar tarefas em que eu pudesse me fechar no meu mundinho mágico de a menina mais amada da turma.

         Mas temendo um trauma irreversível, minha querida professora cometeu um erro do qual não fui capaz de esquecer. Entre as tarefas de natal, estava escrever bilhete para mim! Que humilhante! No fim daquela semana recebi 29 bilhetes, e por pouco não perdi nota por não ter mandado um bilhete para mim mesma. Alguns me desejavam feliz natal com uma honestidade comovente (captaram a ironia?), outros continham pequenos desenhos daquele tipo que só o desenhista entende, outros tinham um simples “oi”, outros tinham a assinatura do remetente e outros simplesmente não tinham um único risco. Esses foram os mais sinceros. Para não generalizar tanto, haviam uns três bonitinhos escritos com alguma vontade por aquelas pessoas que simplesmente não me detestavam.

         Claro, guardei todos os que tinham algum escrito e contei os segundos para o sábado, queria me gabar para as minhas primas, mesmo sem moral nenhuma, porque para elas receber 29 bilhetes era a coisa mais normal do mundo, e ninguém era obrigado a faze-lo, elas eram populares.

         Até aquela época, as coisas ainda eram sossegadas, eu só me frustrava por não ser o centro das atenções. Só que eu tinha um problema dentro dessa minha ridícula mania de querer aparecer: eu era uma criança inteligente, com muita facilidade de aprender, e isso incomodava alguns colegas, especialmente tendo uma professora que me chamava de salvadora da pátria toda a vez que eu acertava uma resposta, e isso acontecia muitas vezes por dia. Hoje, me colocando no lugar deles, entendo que devia ser muito irritante.

         Pense bem, com 8 anos ainda não há a concorrência do corpo. Qual o trunfo que se tem para se achar grande coisa? Ser o xodó do professor, ser a aluna número um. E essa era eu. O alvo da ira, inveja dos coleguinhas. Só que eu tinha uma característica peculiar que os mais cruéis sabiam aproveitar com uma maestria assustadora: obesidade.


         Estava armado o circo. A humilhação da caixinha de bilhetes era só o começo.
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SOBREVIVÊNCIA não é uma série de ficção. O texto acima foi retirado da obra original "Sobrevivência - Relatos do inferno, fui corinho no colégio" - obra não publicada. 

domingo, 24 de janeiro de 2016

Melhor de tudo

Eu sei que pra muita gente tudo isso certamente vai parecer insanidade, até porque de fato o é, quem julgaria normal você saber que encontrou a metade da melancia (sou plus, sou mais, sou extra, coisa de diva mesmo) apenas naquela olhadela de canto de olho?

Não importam muito os julgamentos, eles viriam de qualquer maneira, eles sempre acontecem até com quem anda na linha, imagina com quem sequer sabe onde a linha fica! Somos ambos o reflexo perfeito do desencaixe, eu melancia, você limão (vá ser ácido assim na minha caipira, delícia!), mas ainda assim somos duas frutas num açougue.

Enquanto eles comem o fígado uns dos outros, a gente explora o nosso gargalhando num sábado à noite jogados no sofá.


Não somos os opostos que se atraíram, somos os opostos que se chocaram, e saímos ambos com dentes quebrados e olhos roxos. Eu não sei bem o que vai ser de nós nesse mundo tão cruel, eu só sei que você é, sempre foi e para sempre será a melhor coisa que já aconteceu na minha vida.


terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Caminho

                Eu queria entender o que se passa nessa sua cabecinha oca quando aponta para mim e destila tudo aquilo que você acha que me são defeitos quando na verdade são pequenos tesouros que cultivei a vida toda com muito orgulho.

                Sendo honesta, não queria entender não, porque aquela brisa suave que passeia por entre teus ouvidos não muda o fato de que eu adoro ser essa coisinha transgressora da ordem natural.

                Tenho pavor da calmaria. Não foram as águas paradas que separaram os continentes. E desde que o mundo é mundo quem ficou parado – veja só – não saiu do lugar. A redundância foi necessária, juro que foi.

                Não me venha com suas opiniões vazias e recheadas de preconceitos bobos que eu desconstruí ainda no jardim de infância. Se elas me interessassem, eu pediria sem medo, como peço a todos que acredito que vão colocar algo novo nessa cachola psicodélica que ostento sobre o pescoço.

                Siga seu caminho, coisinha fofa. Mas não pela mesma estrada que eu, o vale da petulância fica pro outro lado. Eu vou ficar aqui mais um pouquinho, bebericando meu Martini enquanto minhas unhas vermelhas brincam com a cereja. Ainda tá cedo e eu quero ver o pôr do sol.

                Mande um abraço pra turma de lá. Diga que quando eu fechei a porta eu falava sério. E que meus pés ainda tem saúde pra me levar pra longe de onde os grilhões seguem firmes em seus tornozelos.

                Não, não vou dar dicas de libertação, enquanto suas opiniões forem sobre pessoas e não sobre ideias, você não estará pronto.

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                E foi assim que ela encontrou o caminho do céu.