quinta-feira, 28 de maio de 2015

Uma carta

Se eu fosse escrever uma carta a alguém por quem realmente meu coração bate mais forte, meu destinatário seria você. Seria você pelas tantas vezes que me emocionei com seu carinho, pelas tantas vezes que tive vontade mandar você pro inferno mas se você fosse, eu iria com você, pelas tantas vezes que fiquei por horas te esperando mas disse que tava tudo bem, e por todas aquelas que eu te deixei esperando e você se segurou pra não me mandar à merda.

Se eu tivesse que escrever uma carta de amor, eu não escolheria um príncipe encantado, eles são chatos e sem sal. Eu escreveria pra alguém cujos defeitos o tornam ainda ,melhor como ser humano. Escreveria pra você, que me fez te odiar por tantas vezes sem que eu deixasse de amar nem por um segundo. Escreveria por cada ironia sua, por cada pergunta que eu não sabia responder, por cada vez que você riu da minha cara.

Eu escreveria pra você porque não precisamos estar um no status de facebook do outro para que nossos sentimentos sejam verdadeiros e recíprocos. Porque não precisamos que os outros entendam como a gente se sente, porque a única coisa que precisamos é saber que não estamos sós, porque temos e teremos sempre um ao outro.

Seria pra você minha carta de amor porque amor é muito maior do que essa coisa de novela ou filme romântico. Amor é o que te faz relevar minhas crises e minha carência, é o que me faz relevar esse seu gosto tão estranho pela solidão. Amor é o que não te deixa me odiar mesmo quando eu realmente mereceria, ou não me deixa te odiar quando vontade não me faltou.


A minha carta de amor seria pra ti, meu amigo, porque amor sem rótulo torna o conteúdo ainda mais gostoso.


sexta-feira, 15 de maio de 2015

Luciana

Conto publicado em antologia - 2014.          

            Era uma vida pacata naquela cidade de interior, com pouco mais de 20 mil habitantes. O inverno chegava com a força de um furacão quando Luciana, se recuperando de uma pneumonia, pôde enfim deixar seu apartamento. Arrependeu-se tão logo pôs os pés para fora.
            -Droga! - Exclamou ao sentir seus ossos doerem com o vento frio que fazia no prédio onde desejava desesperadamente jamais ter se mudado. Em Linha Norte, a pequena cidade, as melhores edificações ficavam para os ricos da capital. A cidade era basicamente turística por causa dos vales congelados que a cercavam. Os hotéis exalavam luxo, as casas dos "forasteiros" pareciam tiradas do cinema. Para a população, restavam os prédios velhos de um tempo em que o glamour não atravessava a velha estrada de chão.
            Não havia muitos empregos. Trabalhava-se nos hotéis, restaurantes ou no precário comércio de "iguarias locais" (estrategicamente inventadas para “empurrar bugiganga” aos turistas). Quem não quisesse atuar no turismo e não tivesse costas quentes na prefeitura, não tinha opção a não ser buscar emprego nas cidades vizinhas. Foi quase isso que Luciana fez.
            Fez questão de sair daquela hipocrisia disfarçada de civilização. Não se dava bem com vizinhos e já tinha fama de barraqueira por colar cartazes na entrada da prefeitura pedindo um hospital no lugar de um hotel. As pessoas a olhavam torto, e ela não hesitava em chamá-las da primeira palavra que a viesse à boca. Foi assim que acabou conseguindo um emprego em um posto de gasolina pouco antes da entrada da cidade; porque na própria, ela jamais conseguiria.
            - Melhorou, Luciana? - Perguntou o "velho tarado", um senhor aposentado que ficava sentado na frente do prédio cantando as meninas que passassem. Mesmo no inverno, que, de tão rigoroso às vezes era difícil discernir se era um homem ou uma mulher. Luciana grunhiu, e - no alto de seu azedume – desejou ter passado sua pneumonia para o velho. - Vai responder não, menina mal educada?
            - Fica na tua, e não olha minha bunda. - Falou já procurando a chave do carro dentro da bolsa.
            - Ê mocinha invocada. Se preocupa não, já olhei aí atrás e tem nada de bom pra ficar olhando. - O velho riu com seus escassos dentes na boca. Luciana tinha vontade fazê-lo perder esses poucos que restavam com um golpe só. Não podia, tinha ataques de fúria mas jamais machucara alguém.
            Antes de entrar no carro - caindo aos pedaços - se deu conta que tudo parecia mais calmo do que o normal. Calmo demais. Pelos seus cálculos e o frio que fazia, deveria ter recém começado a temporada de invasão dos turistas. Contrariada, olhou para trás.
            - Ô velho, que calmaria é essa?
            - "Cê" ouviu não o que houve?
            - Se eu não sei o motivo da calmaria, é óbvio que eu não ouvi o que houve. - Falou grosseiramente.
            - Descobre sozinha, garotinha petulante. - O velho bufou e virou o rosto. Luciana estava na dúvida se o pegava pelo colarinho puído da camisa e o forçava a falar ou ficava satisfeita em não olhar mais seu sorriso que lhe provocava nojo. Entrou no carro e partiu.
            No seu caminho para o posto, passava pelo centro e suas lojinhas decoradas como uma cidade medieval. Nessas horas lamentava viver no hemisfério sul - as lojinhas ficariam mais bonitinhas se tivesse uma decoração de Natal para acompanhar o frio e a eventual neve. Foi então que as coisas ficaram ainda mais estranhas; o centro parecia uma cidade fantasma.
            Estacionou na frente de uma banca de revistas – da qual em dias normais não conseguiria estacionar nada mais perto do que uns 5 quarteirões - e viu que os jornais expostos tinham mais de 3 dias. - "Mas que droga é essa?". Na capa do jornal a manchete:

VÍRUS MISTERIOSO É ALVO DE ESTUDO DE CIENTISTAS DO MUNDO TODO E DEVASTA CIDADES INTEIRAS.

            Olhou ao redor, procurando alguém para pagar pelo jornal velho, embora achasse um absurdo um jornal de dias atrás. Não havia ninguém. Não havia ninguém em nenhum lugar. Jogou o jornal no banco do carona ao sentar em seu acento, ainda tremendo de frio, e louca por um café bem quente. Consultou o relógio de pulso, tinha tempo até sua entrada no serviço depois de 15 dias de atestado. Com o trânsito inexistente, daria até para comer alguma coisa.
            Daria. Se tivesse alguém em algum lugar.
            - Mas que porra é essa? - Gritou, dentro de um café às moscas. Literalmente às moscas, várias delas voavam sobre pratos com restos de comida e o cheiro era insuportável. Com o aquecimento do local, os insetos não morreram congelados, e faziam um barulho perturbador.
            Luciana estava incrédula, impedida de enxergar que algo muito errado havia acontecido pelo tamanho do seu mau humor. Achava um absurdo, ao julgar que o tal vírus era o que ela mesma tivera naquelas duas semanas. - "Bando de frescos vadios" - Grunhiu, ignorando que ela mesma ficara sem sair da cama.
            Voltou à lata velha, ligou o motor e seguiu cantando pneu e ignorando sinalizações de trânsito. Foi então que atingiu algo.
            - Maravilha. A cidade vazia e um animal conseguiu ser atropelado por mim. Imbecil! - Gritava, socando o volante. Tirou o celular da bolsa, pensando em ligar para a polícia, mas não havia sinal. - Vou ter que congelar de novo será?
                 Buzinou, colocou a cabeça para fora da janela e gritou.
                - Ei, você está bem?
            Não houve resposta. Buzinou outra vez, e outra, e tantas vezes que se não tivesse matado sua vitima, no mínimo a teria deixado surda. O barulho foi tanto, somado aos próprios gritos de Luciana exigindo uma resposta da vítima que acabou por não ouvir gemidos que vinham de todos os lados. Antes que pudesse perceber, Luciana estava cercada.
            Ao seu redor eram humanos. Eram, assim mesmo, no passado. Naquele momento já não eram mais tão humanos assim. Reconheceu, por trás de olhos vazios, bocas abertas, peles pálidas e enrugadas e ferimentos de todos os tipos, alguns velhos conhecidos da cidade. O próprio dono da banca de revistas estava entre eles, arrastando-se na sua direção como se fosse dominado por alguma força demoníaca. O cheiro que pairava no ar era de putrefação. Estavam mortos. Estavam todos mortos.
            - O que vocês querem? Saiam, seus imprestáveis! Saiam! – Seus gritos atraíam ainda mais aqueles cadáveres ambulantes. Era preciso pensar rápido, e isso não era um de seus fortes, já que palavrões pareciam não surtir efeito sobre a multidão que se formava ao redor do carro.
            Antes que a primeira mão lhe tocasse, fechou o vidro e acelerou, passando por cima de uma dezena deles, fez a volta sobre a calçada e tomou o caminho de volta para seu apartamento. Não iria ao posto; seja lá o que estava acontecendo, certamente teria atingido seu local de trabalho. – “Tomara”, pensou, abrindo um sorriso enquanto colocava o pen drive no som do carro, berrando letras do Marylin Manson até a entrada do prédio.
            No caminho nenhuma grande surpresa; os ex-cidadãos da cidade eram lentos o bastante para serem facilmente deixados para trás. À frente, mas dois ou três deles surgiram, todos devidamente atingidos pela lata velha, arrancando risinhos sádicos de uma das poucas sobreviventes do caos.
            Já na porta do prédio, o riso deu lugar à náusea. Os cadáveres animados devoravam vorazmente o velho tarado. Reconhecia a cabeça, com olhos arregalados e os poucos dentes expostos, o resto do corpo já havia virado banquete para três desses monstros, que puxavam o intestino do que restou da caixa torácica com a mesma empolgação que uma criança brinca com queijo derretido.
            Teve nojo, náusea, sentiu a janta na noite anterior subir à garganta. Mas era o velho tarado, e aquele fim não era muito diferente do que ela fantasiava para ele. Só tinha um problema. Para variar, o aposentado estava sentado nos degraus da entrada, e agora era justamente ali que estava sendo devorado. A única entrada.
            Estava em meio ao apocalipse, certamente ali não haveria mais propriedades e vários daqueles cadáveres ambulantes eram donos de carros melhores do que o seu. Assim que o caos acabasse, tomaria um deles para si. Muito simples.
            Apertou o cinto de segurança e seguiu porta adentro, esmagando alguns deles contra a parede e transformando o que restara do velho tarado em um tapete sob o pneu da lata velha. Sem mais obstáculos, quebrou o para-brisa com o extintor e saiu pelo painel do carro diretamente para a esperada segurança do interior do prédio.
            Entrou sem fôlego no apartamento, percebendo que a energia elétrica era coisa do passado e que certamente teria problemas em se manter aquecida muito tempo, mas estava coberta de suor. O frio não a invadiria tão cedo.
            Deitou-se na cama rindo sozinha. Sentia-se vitoriosa sem saber exatamente o motivo, já que, presa no muquifo, não demoraria tanto assim para virar um deles.
            Começou a ouvir seu nome ao fundo como num delírio e a realidade ao redor começou a ficar turva, até que outras cores, formas e pessoas se tornassem reais. Diante de si, sua mãe, com um pano molhado, gritava seu nome.
            - Luciana! Luciana! Aleluia, conseguimos baixar sua febre!
            Confusa, apalpou a própria roupa descobrindo-se de pijama. Estava em casa, ardendo em febre, com a mãe ao pé da cama cuidando dele como fazia em sua infância.
            - E os zumbis? - Falou com a voz fraca.
            - Não se preocupe com nada, minha filha, só em ficar boa, tá bom?
            Luciana sorriu; sentiu-se boba por perguntar de zumbis. Era um delírio, apenas um delírio de uma pessoa ardendo em febre. Ouvia ainda um ruído, um gritinho agoniado daqueles cadáveres animados buscando carne viva, mas estava tudo bem, era só um pesadelo.
            O grunhido parecia mais alto, e mais alto, até que sua visão se deparou com aquela que um dia havia sido sua irmã, chegando sorrateiramente por trás da mãe que molhava o pano em água gelada. Com ela, o cunhado, também em versão pós-morte, mas esse vindo em sua direção.
            -Mãe! - Gritou quase sem voz.
            A dor aguda. O sangue. O silêncio.

            Nada mais.


terça-feira, 12 de maio de 2015

Expectativa

Não há de se querer
Que a vida, essa tola
Resuma os sonhos
De uma noite boa

Não há de se esperar
Que os fatos corroborem ideias
De uma mente criativa
Que se cega à realidade

Que por mais que se navegue
Se estivermos no deserto
Nem uma milha andaremos
Que por mais que se caminhe
Se estivermos trancados
Não sairemos do lugar

Não há de se esperar da vida
Que um simples abraço
Resolva todos os males do corpo
Mas que apenas um sorriso
Capacitado está

Para curar os males da alma.


segunda-feira, 4 de maio de 2015

Me entrego

                Me entrego como se não pudesse mais ser dona de mim mesma. Me entrego de corpo e alma para cada sensação que sua própria existência me proporciona. Me entrego, me doo, me ofereço, imploro que não deixe nada faltar.

                Me entrego porque no fim dessa estrada tem só você e eu. Não quero paradas nem curvas, quero ver o pôr do sol com a cabeça em seu peito e um suspiro no meu. Me entrego porque sei que nasci para ser metade de nós dois. Me entrego porque é minha sina, meu destino, meu carma.

                Me entrego porque sei que cada sentido se aguça na presença do seu perfume. Me entrego porque longe de ti sou metade, contigo sou mais do que o dobro. Me entrego porque não há uma fibra do meu ser que não deseje ser parte da explosão cósmica que é ser nós.

                Me entrego porque o frio do inverno não me interessa se tua pele é quente feito fogo. Me entrego porque meus dedos precisam tocar seus cabelos enquanto me entrego porque apenas eu me falta um pedaço.

                Me entrego porque nós juntos somos mais que humanos, somos uma catástrofe natural. Me entrego porque meus pulmões necessitam seu perfume como minha pele implora teu toque. Me entrego porque seus beijos me alimentam. Me entregam porque teus olhos me fuzilam.

                Me entrego porque não tenho opção, não há a possibilidade de um sorriso longe de ti. Me entrego porque cada centímetro da minha existência pertence à tua fita métrica. Me entrego porque mesmo que pudesse, não iria querer passar nem um minuto da minha vida longe de você.


                Me entrego porque além do desejo, eu te amo.


sábado, 2 de maio de 2015

Rimas entre iguais

A gente finge que acredita, a gente finge que não vê,
A gente nem questiona, sentado na frente da TV
Aceita tudo que aparece, repete, como um gravador
E aquilo internaliza, nem se sente mais a dor
A gente só julga, só aponta o dedo
Enquanto lá no morro tem mais uma criança com medo
Brincando de arminha, a realidade que ela conhece
E quando perde a vida, a gente diz “acontece”
E tem quem comemora, um marginal a menos
Ignorando que as angústias e os sonhos são os mesmos
Da criança de condomínio, tão igualmente inocente
Mas com ela a gente se importa, filha de gente decente
Bandido bom é bandido morto
Não tem conserto pau que nasce torto
Fica mais fácil de engolir o que já nos convenceram
Que a sentença de morte eles mereceram
A gente nem quer saber se tiveram escolha
Se puderam optar entre a arma ou a caneta e a folha
Se ver alguém da periferia, atravesse a rua
Segure firme a bolsa, a verdade nua e crua
A gente já conclui que é bandido e marginal
Sem saber da sua índole, se é do bem ou do mal
Como se caráter fosse assim também na vida real
Não existe o anjo nem o monstro de verdade
Mas a gente separa na nossa realidade
Aquele diferente, a gente repudia
Separa e segrega, pra viver da utopia
De que quem é bom é sempre assim
Que quem acerta no começo também acerta no fim
Não existe alguém perfeito, isento de maldade
Ser bom e ruim ao mesmo tempo é prova de humanidade
Não odeie o diferente porque te convenceram
Acredite, os diferentes eles nunca conheceram
O medo deles é a igualdade, que os tira o poder
De regrar a sua vida, de mandar em você
Se te dizem que não prestam, questione, não aceite
Não faça papel de bobo, não seja pra eles um enfeite
Você pode mudar sua mente, vamos lá, experimente
Não existe lógica em odiar o diferente
Esqueça tudo o que te disseram, abandone o rancor
A única coisa que o mundo precisa hoje é de um pouco mais de amor.
Querer o bem é uma arte

Faça sua parte.


sexta-feira, 1 de maio de 2015

Rosa

Eu sempre estive na margem. Nas folhas pautadas da vida, sempre encostei nas bordas por medo de virar simples nota de rodapé.

Eu era a nerd quando ser nerd ainda não era cool. Eu sou a gorda num mundo que as pessoas parecem (na realidade não apenas parecem) achar que nosso tecido adiposo está sobre e não sob a pele. Eu sou a escritora num mundo de poucos leitores.

Escrevia poesia na aula de química. Me apaixonava fácil. Sonhava em ser foda, uma mulher de destaque, daquelas que todo mundo quer ser quando crescer, e ao mesmo tempo ficava imaginando quando encontraria um príncipe pra me proteger das mazelas do mundo.

Acabei indecisa entre a força e a delicadeza. Virei ambas. Virei nenhuma.

Eu sou aquela que pinta a cara e grita ao megafone, e à noite abraça o bichinho de pelúcia. Aquela que veste a armadura mas por dentro quebra. Sou a contradição.

A contradição tem força, porque nos força a se questionar o tempo todo. Não posso ser pássaro e árvore ao mesmo tempo. Não posso ser livre e ter raízes bem fincadas no chão.

Foi para isso que a natureza criou a rosa; toda a suavidade da pétala aveludada e a violência dolorida dos espinhos, exatamente onde nossos dedos devem tocar.


Aquela rosa na beira de estrada. Aquela que não está no jardim entre iguais. Aquela que sempre soube que estava ali só de passagem.