Pequena,
eu sou você já com seus primeiros fios de cabelos brancos. Eu sou sua versão
envelhecida, traumatizada, estigmatizada. Mas também sou o resultado da tua
força, da tua perseverança, da tua veia, garra e sensibilidade.
Sabe?
As pessoas podem ser realmente cruéis com a gente, principalmente com você que
ainda luta tanto pra se integrar a eles, mas quer saber? Tem sim muita gente que
vale a pena, e nenhuma delas está na sua sala de aula.
Seu
mundo não é isso, seu mundo vai muito além dessas paredes e desse uniforme
padronizado, desses cadernos rabiscados com poesias e daquele professor de
literatura que sempre ignora seu braço levantado e idolatra a menina mais
bonita da turma, mesmo que ela não saiba nem a metade que você.
Isso
vai acabar, te digo porque eu vi tudo isso acabar. O problema, Marcinha, é que
você deixou isso acabar com você também. Você sobreviveu, pequena. Sobreviveu
mesmo, já tem cabelos brancos, e no fundo você sabia que você sobreviveria, não
é? Mas tudo parecia tão imediato, tão definitivo...
Sim, eu
sei que você teve medo do que viria depois. Eu lembro aquele dia que você
estava na praia com seus pais, já se preparando pra voltar e colocou seu disco
favorito no carro do seu pai esperando o pessoal terminar de se arrumar. Você
tinha feito 17 anos há pouco e chorou fechada no carro, porque você sabia
que no dia seguinte você teria problemas porque a garota popular da turma
queria a música que você escolheu primeiro pra formatura, e você não estava
disposta a ceder.
Você
não cedeu. A música era importante pra você. E quer saber? Você venceu! Sim,
fizeram de tudo pra você ceder e você entrou com a música que você queria na
formatura. Sim, eu sei, você perdeu várias noites de sono, quebraram seus lápis
de desenho, eu lembro disso, e você já tinha enfrentado coisas bem piores
antes, mas você estava cansada, eu sei.
Mas deixa
eu te dizer, o cansaço é parte do jogo. Eu também fico cansada, sabe? De vez em
quando eu penso em desistir de tudo, bate um desânimo danado. Mas então eu me
lembro que eu só tô aqui porque você não desistiu. Você foi forte pra caramba
e, mesmo que tenha chorado tantas vezes no colo da sua (nossa) mãe, você
enfrentou cada um daqueles dias, e você venceu.
Eu não
desisto porque eu devo isso a você. Você foi forte para que eu fosse possível.
Marcinha, minha querida, talvez eu devesse ter te dito que te amo mais vezes.
Porque eu te amo demais. Você não podia ter acreditado neles, eles não faziam a
menor ideia da pessoa que você é, e perderam uma chance incrível de conviver
com você. Você? Ah, você não perdeu nada. Não mesmo, porque eles sempre estiveram
errados.
Você
preservava seu arzinho infantil e sua inocência, por isso eles te escolheram;
porque eram incapazes de compreender o seu universo. Não tinha nada de feio em
você, você era uma garotinha como outra qualquer, só que uma garotinha que eles
não compreendiam, e isso nunca foi culpa sua.
Você
sobreviveu, Marcinha. Eu estou muito orgulhosa de você.
E eu te
amo.
Era
isso que eu queria te dizer se fosse possível te mandar essa carta. Você é
forte, você é guerreira, você merece ser feliz.