sábado, 26 de março de 2016

Arma de libertação em massa

                A liberdade é uma das coisas mais relativas que existe. Pode-se ser livre para se expressar as ideias, mas somos realmente livres para tê-las? Será que nossas ideias não são na verdade uma exaustiva repetição de tudo que nos foi imposto?

                A arte é livre. É livre porque se admite fruto do meio. Mas se fruto do meio, como pode ser livre? O artista teria outra obra se em outro meio tivesse sido criado, não?

                Sim. Por isso a liberdade é relativa. Eu sou livre para falar da realidade tal qual eu conheço, que difere de milhares de realidades por aí, mas eu sou livre.

                A arte é a forma mais simples de abrir mentes. Quando eu exponho na minha arte a realidade tal qual a conheço, alguém de realidade diferente da minha passa, em seu momento de entretenimento lendo o que eu produzo, a conhecer algo que até então desconhecia, e, quem sabe, refletir sobre o tema.

                É por isso que os artistas são tão temidos por ditadores. A mente do artista é aberta por natureza pois mentes demasiadamente fechadas não são plenamente capazes de criar algo novo. Não que não existam artistas de mente fechada, mas na comparação de sua obra com a obra de um artista de mente aberta, a diferença se escancara.

                Um artista não se fecha à realidade ao seu redor, pois é dela que provém o alimento de sua arte, por isso artistas tendem a ter uma visão mais ampla. Obviamente a mente aberta e a visão ampla não são exclusividade do artista, mas do artista é o mínimo que se espera.

                E então esse artista que se alimenta das mais diversas realidades coloca na sua arte o retrato social que o ditador precisa manter oculto. E então começam os cortes à cultura, o fechamento de museus, a privatização da arte e dos espaços culturais, a desinformação sobre leis de incentivo. E então, a quem interessa calar o artista, vem a glória de colocar as massas contra as artes.

                E as listas de artistas censurados.

                A liberdade? Ah, o sabotador sente-se livre, o manipulado culpa o artista pelo seu aprisionamento, o artista – agora calado – sabe-se pássaro na gaiola.

                A arte é uma arma de libertação em massa. Use sem moderação.


sábado, 12 de março de 2016

Aceno

                Eu fico lembrando de cada momento único que passamos juntos, dos tantos risos, das tantas promessas de que seríamos para sempre testemunhas das vitórias um do outro. E por tão pouco tempo de fato fomos, não fomos?

                Trocamos confidências (e que confidências, hein?) e pequenas promessas de que duraríamos para sempre “sem saber que o pra sempre sempre acaba”. No fundo a gente sabe que o pra sempre é uma ilusão porque “sempre” é tempo demais.

                Então meu pra sempre se converteu nas lembranças boas que ficaram embora meu coração esteja um pouco mais gelado do que era antes de você. Um pouco mais gelado não pela falta que me faz teu abraço, teu sorriso, teu riso e teu jeito tão único de ser, mas porque você foi embora, porque você quis ir embora.

                Claro que perdoo o jeito que você escolheu para partir, mas meu luto não será eterno nem me culparei se não fui suficiente pra você e por isso você foi embora, por isso você abriu mão de tanta coisa linda que a gente ainda podia viver para se fixar como uma memória que ficará cada dia mais distante.

                Viramos fotografia, congelados em um momento que não volta mais. Viramos lenda porque num futuro distante lembrarei de você de mil formas diferentes do que você realmente foi. Alguns dias você será o herói que me fez feliz, noutros será o covarde que me abandonou nesse mundo tão assustador. Em outros será apenas aquele alguém que um dia eu amei.

                O luto não durará para sempre. Aquela pontinha de dor pela sua decisão talvez perdure para sempre, mas eu vou seguir em frente. Eu sei que eu vou. E lentamente sua imagem e tudo o que eu senti por você um dia vai se apagando como a própria vida faz acontecer. E assim, no silêncio, morremos como dois.

                Hoje é o dia de cinzas. Amanhã vai nascer o sol.

                Seja pra onde você for, que tenha levado contigo qualquer coisa de bom que reste de mim. O resto de mim fica aqui, comigo, para quem eu possa oferecer a outro alguém, ou a tantos outros alguéns. Tenho amor de sobra pra te perdoar e para amar de novo.

                Hoje carrego na mão uma pálida e murcha flor. Hoje carrego no peito um coração ferido. Mas não há dor que dure para sempre. Assim como há de acabar a saudade que tua lembrança me traz.

                Onde estiver, descanse em paz. Eu vou seguir sobrevivendo.


quinta-feira, 10 de março de 2016

Ponto e vírgula

                Ninguém leva uma vida de mar de rosas. Alguns têm a sorte de enfrentar poucos obstáculos que, perto de outros, mais parecem pedrinhas de cascalho. Outros levam uma vida casca grossa, coisa séria, uma vida que não é pra amador.

                Em muitos – na maioria – sentidos, eu me encaixo no grupo da vida fácil; educação de qualidade, família estruturada, um teto, comida, roupa, enfim, quem olha de fora poderia até dizer que eu não tenho mesmo do que reclamar.

                Ok, do que reclamar eu posso não ter, mas tenho muito, mas MUITO, a lutar. Engana-se radicalmente quem pensa que ter tido alguns privilégios – os quais reconheço e sou grata – tornou minha vida fácil, até porque nesse post não tenho por objetivo falar de bens materiais – que eu também não to lá grande coisa vivendo de bolsa estágio.

                A grande questão é que tem coisas que vão muito além da nossa compreensão, como aqueles que vou chamar de “os fantasmas do meu armário”. Todo mundo tem seus fantasmas em seus armários, só que uns são mansinhos e outros furiosos.

                Os fantasmas do meu armário atrasaram minha vida em muitos aspectos e me arrastaram láááááá pra baixo nos últimos dias (semanas). Talvez um dos maiores desafios que já enfrentei na minha vida foi andar com eles todos agarrados em mim tentando levar uma vida “normal” – trabalho, faculdade, páginas no facebook. Mas quem me olhasse ao vivo percebia que os fantasmas do meu armário estavam lá.

                Só que os fantasmas do meu armário tem um ponto fraco: eles não suportam gente que não é sozinha. Quando eles me abraçam, a sensação de solidão os fortalece e eles apertam tão forte que a gente (eu e todo mundo que tem os fantasmas) não consegue respirar. Mas aí o truque é forçar um cantinho entre eles pra enxergar ao redor.

                É isso mesmo. Se você enfraquece, fecha os olhos e se encolhe, eles vão se alimentando de você. Se você tira força sabe-se lá de onde e consegue, mesmo que por alguns segundos, enxergar a quantidade de gente que tá ao redor lutando contra eles, você não deixa que eles se alimentem. Desnutridos e com um exército das pessoas que te amam fazendo tudo o que tem ao seu alcance para te ajudar, eles morrem.

                Talvez não morram de verdade. Talvez eles apenas voltem para o armário, mas voltam mais fracos, mais vulneráveis. Talvez quando a porta se abrir de novo e eles tentarem te abraçar outra vez, eles não tenham mais a mesma força, talvez tenham até medo porque sabem, como você sabe, que você não está sozinha.

                Então apresento a vocês o projeto “Ponto e Vírgula”. Não é ideia minha, é uma ideia importada e uma boa googleada vai dizer a vocês exatamente o que é o projeto, mas vou contar (parte) sobre ele na minha vida:

                O ponto e vírgula é o que divide uma frase em duas. São duas ideias, uma antes e uma depois, sem que no entanto se encerre a frase. A ideia do “ponto e vírgula” na vida de quem tem fantasmas no armário é justamente a virada de página, é um marco onde a gente se livra de algo que os fantasmas nos impunham, em que provamos que somos mais fortes que eles – em geral ações que nos machucam, e isso ajuda a enfraquecer ainda mais os fantasmas do armário. Eu resolvi que era minha vez.

                Na frase da minha vida, cheguei ao ponto e vírgula, mas antes disso, fiz questão de dizer que sobrevivi aos fantasmas e ao tanto que eles me machucaram e me fizeram eu me machucar. O ponto pra isso, a vírgula para o “a partir de agora, a coisa vai funcionar da seguinte maneira”.

                Quando atingi meu ponto e vírgula, eu tomei controle sobre meu corpo e minha mente. Isso não é um juramento de que os fantasmas do armário jamais me atacarão outra vez, eu não tenho como prever e muito menos mecanismos para impedi-los para sempre, mas no meu ponto e vírgula, onde eu me declarei sobrevivente, eu decidi que pra eles me derrubarem de novo, meus amigos... um abraço sombrio não será o suficiente.

                Ainda sou uma pessoa vulnerável, talvez pela própria criatividade que me marca desde meu nascimento, talvez pela minha sensibilidade literária, mas na última segunda-feira aquela vozinha lá de dentro me disse que eu tinha chegado na quebrada, na troca de ideia, no ponto e vírgula.

                E pra não deixar dúvida, depois de me livrar do que eu permitia me ferir, eu registrei meu ponto e vírgula na pele. Para sempre tatuado ao alcance dos meus olhos, para me lembrar que eu sou uma sobrevivente e, mais do que isso, que a partir de agora a frase da minha vida toma um novo rumo até alcançar o ponto final.

                É nessa hora que eu preciso deixar algumas coisas pra trás, como as notas de rodapé das páginas passadas. E por isso eu pergunto – depois do ponto e vírgula, você está comigo nessa?






segunda-feira, 7 de março de 2016

Coroa de flores

                Hoje matei você. Acredite, doeu muito mais em mim do que em você porque arranquei você no fio da navalha e você não sentiu porra nenhuma. Foi o meu sangue que escorreu, mas ainda assim, você morreu.

                Não haverá funeral. Ninguém faz cerimônia pra se despedir do que jamais deveria ter sido, do que não fará falta. Não haverá funeral porque era sua presença que eu costumava chorar.

                Mas não foi sem dó que matei você. Eu chorei feito louca, ouvi música de fossa, gritei, me contorci sobre meu próprio corpo exausto de lutar para que nossa história tivesse o final que devia ter. Depois de chorar, gritar, sofrer e arrancar pedaços de mim até sujar de sangue meus lençóis, acabou ficando fácil de entender que o final mais correto para nossa história é você longe de mim.

                Porque é pra longe que a gente manda aquele que pra longe nos manda.

                Não quero mais teus abraços porque são feitos de espinhos e eu realmente estou cansada de cuidar de tantas feridas. Horas e horas de curativos para dizer que lutei por nós? Não, bem mal, não mesmo. Pra mim chega.

                Os cactos são capazes de me ferir menos do que você me feriu.

                Pensei em nomear nosso enterro das cinzas de coroa de espinhos, mas nem no título admitirei mais feridas. Coroa de Flores. É isso que mandam aos mortos. E é de flores que me permitirei ser rodeada daqui pra frente.

                Descanse em paz. 


sexta-feira, 4 de março de 2016

Emergem

Emergem
Submersos seres diretamente da Divina Comédia
Emergem
Não é a luz que buscam, mas alma dos desavisados
Sombria, pois não entra sol em coração de pedra
Sobem, rastejam
Não querem seu corpo
Não bebem seu sangue
Eles desejam sua alma
Se embriagam de sua essência
Desejam cada célula da sua existência
Montinho de partículas esvaziadas
Sentidos perdidos numa curva apertada
Emergem, rastejam
É você quem eles querem
Nem dentes nem cabelos
Nem ossos calcificados
É seu mais profundo ser
Emergem e sugam
Sugam
Sugam

Resta carcaça.


terça-feira, 1 de março de 2016

A vida começa

                À minha mãe, esta senhora que envelhece 10 anos a cada murchada que ganha meu coração. Não há de ser fácil se mãe de quem sobra dores no peito e faltam juízos na cachola. À minha senhora mãe que engole as lágrimas quando as minhas correm porque sente que precisa ser forte. Precisa não, mãe, somos todas flores e não há pétalas de aço.

                Encoste-se comigo na cama quando minhas forças se esvaziam. Vamos juntas unir o sal de nossas lágrimas para um oceano de esperanças. Chore comigo, mãe. Não há nada de errado com isso. Errado é que eu te faça chorar de tristeza quando, depois de todas as tuas lutas, eu deveria te dar motivos para apenas chorar de emoção.

                Peço que ainda assim se orgulhe, porque quando meu corpo se encolhe e meu sangue escorre, eu me reinvento. Eu renasço a cada cicatriz, da pele ou da alma. Sim, mãe. Pode não ser do teu ventre agora, mas é do teu infinito amor que eu renasço. Morro um pouco a cada lágrima para que meu próximo sorriso seja a luz de uma nova vida.

                Uma nova vida que começa agora. E que vai se acabar não se sabe quando, para dar origem à outra, e à outra, e toda elas virão de ti e do teu infinito amor.

                Chore sim, mãe, se isso te lavar a alma. E me perdoe que te faça chorar, mas não se esqueça que naquele dia em que eu, diminuta, vim ao mundo, choraste também. Testemunhe meu renascer, porque é, de novo, o teu abraço que eu quero que seja o primeiro.