Graça, pois, que me encanto
Eu tuas doces melodias
Vou refazendo meu canto
Teus amores e poesias!
Foste um véu de paixões
Feriste mil corações
Mas no despertar da aurora
No seu verdadeiro clamor
Do teu coração, bem na hora
Encontraste o verdadeiro amor
Poeta que me encanta a alma
Cuja poesia me acalma
És meu passado distante
De palavra por vezes errante
Encontraste a fonte da vida
Mesmo com a alma perdida
Entraste pra história e assim
Construíste o melhor que tenho em mim
No raiar de cada dia
Minha vida por ti construída
Converte-se em poesia!
Que seja lograda vitória
De manter no curso da história
O poeta das mil maravilhas
Nosso para sempre lembrado
Querido Gonçalves Dias!
(Maya Falks)
Minha vida literária se divide entre “AGD/DGD”. Sim,
bastante o óbvio de Antes de Gonçalves Dias/ Depois de Gonçalves Dias. Tenho-o
como meu livro de cabeceira (6x no carnê, capinha de couro). Eu tinha por volta
de 14 anos quando estudamos o romantismo brasileiro na escola; nessa época eu
já escrevia poesia há 2 ou 3 anos e produzia literatura há 11, mas, certo dia,
pouco antes do começo das aulas, abri o livro de literatura – matéria favorita
– e me deparei com o capítulo que trazia um pouco da vida e obra de Antônio
Gonçalves Dias.
Ali havia, como era de se esperar de um livro de literatura,
Canção do Exílio, certamente a peça poética de maior sucesso do autor – “Minha
terra tem palmeiras onde canta o sabiá”. Pouco depois, ao falar de sua fase
indianista – foi o poeta um grande etnógrafo – um trecho de I-Juca Pirama, uma
belíssima homenagem aos guerreiros Tupis
IV
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci,
Guerreiros, descendo
Da tribo Tupi
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci:
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Embora Canção do Exílio e I-Juca Pirama sejam obras
memoráveis e de uma qualidade profunda, as palavras que me moldariam para
sempre ainda estavam por vir. Timidamente, encerrando o capítulo, lá estava um
pequeno pedaço da que eu considero a obra mais importante da literatura
romântica no mundo – Ainda uma Vez – Adeus.
Deparar-me com aquele pequeno trecho fez meu coração parar
por um segundo. Não havia no livro qualquer menção ao fato que levou a essa
obra, mas eu sabia, no meu íntimo, que Gonçalves Dias morrera de coração
partido. Meus professores de literatura da escola jamais deram ao poeta o
destaque merecido, tudo sempre girou em torno do parnasianismo, da Semana de
Arte Moderna de 22 – que, sob meu humilde ponto de vista gerou uma das obras
mais horrendas da nossa literatura, aclamada até hoje – e Machado de Assis.
Uma das maiores frustrações que tive, no meu período
estudantil, foi justamente o destaque que Machado tinha em contrariedade ao
Gonçalves Dias, de quem falávamos praticamente nada. O romantismo foi ensinado
em alta velocidade mesmo com toda sua riqueza que abrangeu três distintas fases
e inúmeros notáveis autores. Nada contra Machado, que certamente merece tamanho
destaque, mas enquanto os professores o idolatravam, eu relia sem parar o
pequeno trecho de Ainda uma Vez – Adeus.
A internet entrou na minha vida uns 2 anos depois desse
livro que pouco me dizia, embora o bastante para eu saber que o poeta se
tornaria meu mestre e exemplo. Tão logo tive o primeiro acesso ao que quer que
fosse, busquei seus versos. Em menos de uma semana com acesso à internet, eu
tinha encadernado um apanhado de poesias que carregava na mochila. Por economia
de papel e tinta, I-Juca Pirama não entrou na seleção, mas foi nessa ocasião
que descobri que Ainda uma Vez – Adeus ia muito além dos 3 versos contidos no
livro. E foi ali que soube que, embora Canção do Exílio seja a peça mais
famosa, é esta que o poeta mais amava.
Como sei? Impossível explicar. Eu apenas sei, e defendo sem
medo de errar – se Gonçalves Dias fosse vivo (faleceu em um naufrágio em 1864)
– elegeria essa sua poesia favorita. E olha que defendo essa tese desde antes
de saber como e porquê essa obra foi feita.
Frequentei muito pouco o cursinho pré-vestibular, no ano de
1999, principalmente porque comecei a trabalhar no comércio no turno oposto à
escola – justamente o turno do cursinho. Nesse período, porém, ignorei todas as
aulas de exatas e entrei de penetra na outra turma (duas turmas por turno) para
assistir duplamente as aulas de história, história do Brasil e, óbvio,
literatura. Foi numa dessas aulas duplas que o professor de literatura dedicou
uma aula inteira a Gonçalves Dias (professor Bondan, nota mental: acha-lo no
face e contar a ele que aquela aula mudou tudo).
Mas o mais fascinante não foi somente o fato de ele ter sido
o primeiro professor a dar à Gonçalves Dias o destaque merecido, mas o fato de
Ainda uma Vez – Adeus ter sido alvo de pelo menos 50% da aula. Professor Bondan
tinha razão: Canção do Exílio foi um poema que aconteceu, simplesmente; Ainda
uma Vez – Adeus foi praticamente uma autobiografia.
Durante a aula, o professor encenou o momento em que essa
poesia ganhou vida - não o texto em si, mas o motivo da existência dele. Talvez
pela minha grande capacidade de imaginação ou quem sabe por essa ligação tão
forte que sinto com ele, consegui imaginar com perfeição a situação mesmo que
na ocasião eu não fizesse ideia da aparência dos envolvidos.
Gonçalves Dias se tornou um ícone do que eu queria ser
enquanto escritora, me levando inclusive a acaloradas discussões com fãs de
Machado no debate de quem seria o maior nome da literatura nacional – não que
seja justo comparar dois estilos tão diversos.
Os anos se passaram e, em 2006, em um dos meus cotidianos
passeios por livrarias, descobri que uma editora estava lançando uma coleção de
obras completas de diversos grandes nomes da literatura universal, todos em
capa de couro com o nome do autor gravado e aquele papel bem fino estilo
bíblia. Não me lembro exatamente que autores já estavam disponíveis, mas lembro
que quase chorei quando o livreiro me avisou que a coleção contemplava Gonçalves
Dias e logo chegaria o livro.
Confesso que fiquei dividida – o livro custava um pouco
menos que minha renda mensal, mas caramba, OBRAS COMPLETAS DE GONÇALVES DIAS.
Mandei reservar o meu. Na real foi uma grande sorte porque só veio um, e se
tornou meu no mesmo dia que chegou. Naquele dia eu vi pela primeira vez um
retrato do poeta. E igualmente pela primeira vez um retrato de Ana Amélia, o
grande amor de sua vida, a grande tragédia amorosa que o levaria à ruína.
Resumindo a história que originou a poesia mais linda de
todos os tempos: Gonçalves Dias nasceu fruto de uma mistura de branco, negro e
índio. Incrivelmente baixo, dono de cabelos levemente cacheados e pele e traços
do rosto típicos da mistura negra e indígena, nem sua amizade com membros da família
e até mesmo com o imperador do Brasil, nem mesmo sua formação, seu trabalho e
seu talento foram páreo para sua raça ao pedir Ana Amélia Ferreira do Vale em
casamento.
Ana Amélia, prevendo a recusa de sua família por ser seu
amado caboclo e filho bastardo, propôs que fugissem. Ele, na sua melhor intenção
julgando ser melhor que Ana Amélia, moça branca e de bom berço, estivesse
disponível a um casamento com um homem “de boa origem”, não seguiu o pedido de
sua amada e simplesmente partiu. Partiu igualmente o coração de Ana Amélia.
Inconformado, certo de que jamais amaria alguém como amava
Ana Amélia, Gonçalves Dias se casou com Olímpia apenas meses depois. Ana
Amélia, ao saber do casamento, escolheu um noivo a dedo, o comerciante Domingos
Porto, neto de escrava, igualmente bastardo. Sua decisão, motivada pelo abandono
e ciúme, a levou a ser deserdada pelos pais, indo viver em Portugal com o
marido – agora falido – vivendo na solidão de um casamento sem amor, de uma
família que lhe virou as costas e na pobreza que até então, nobre, não
conhecia.
Os anos seguintes de ambos casamentos foram marcados pela
tentativa constante de Gonçalves Dias em se manter o mais longe possível de sua
esposa. Mas vivia relativamente bem, ativo e constante, até que, em maio de
1855, encontrou-se por acidente com Ana Amélia.
Sequer é preciso estudar a vida do poeta para entender
exatamente o que aconteceu nesse encontro. É visível e escancarado na poesia
que ele inicia se justificando a ela, que sacrificou a si mesmo em nome do que
julgava ser o melhor para ela, e descobre que seu sacrifício não somente foi em
vão – uma vez que ela se casou com um mestiço bastardo como ele – como lhe foi
um golpe duro. Ele havia ferido o coração de sua amada de formas que não tinham
como ser consertadas. Ele entendeu que era o responsável pela infelicidade da
pessoa que mais amava.
Não sei dizer se o que lhe doeu mais foi perceber que
poderia ter sido mesmo ele a desposar sua amada ou foi saber que sua lealdade à
amizade com a família da moça – que o impediu de fugir com ela como era da
vontade dela – arruinou sua vida. Talvez uma mistura de ambos; quando amamos
genuinamente alguém, saber que lhe causamos dor também nos é motivo de grande
sofrimento.
Depois de Ainda uma Vez – Adeus, Gonçalves Dias enfrentou alguns
anos de pobreza criativa e tentou retomar suas atividades normais, mas sua
saúde foi se degradando a olhos vistos; sua morte chegou a ser anunciada
erroneamente 2 anos antes de ela de fato acontecer. Seus amigos confirmavam que
o poeta nunca mais foi o mesmo depois daquele encontro e muitos concordam que
sua vida foi de fato abreviada (morreu aos 41 anos) pela dor do amor perdido.
Gonçalves Dias e Ana Amélia jamais puderam ser um casal.
Foram impedidos de viver o amor que sentiam principalmente por racismo, mas
tanto era verdadeiro seu amor que a própria história lembra de Ana Amélia como
a grande musa de Gonçalves Dias, mesmo que oficialmente tenha sido Olímpia a
ganhar seu sobrenome. Pouco se sabe da vida de Ana Amélia longe do poeta, mas,
já bem velhinha, foi ela a derramar um choro saudoso na homenagem feita ao
poeta aos 40 anos de sua morte. Também pertenceu a ela – até sua morte – o retrato
mais reproduzido que se tem dele.
Fico divida entre lamentar por essas duas vidas marcadas por
uma separação dolorosa e me deliciar com os frutos de tamanha dor. Faço os
dois. Fascinada, busco sempre saber mais sobre o homem que marcou os rumos da
minha carreira literária. E foi em uma de minhas pesquisas que descobri que, no
centenário de morte do poeta, foi lançado em São Luís do Maranhão uma obra que
visava justamente homenagear os dois amantes de tão triste destino. “Gonçalves
Dias e Ana Amélia”, a obra, de Mário Meireles, escritor maranhense falecido em
2003.
Minha primeira atitude foi procurar em livrarias. Sem
sucesso, busquei pela editora – como se trata de uma edição de homenagem, não
tem uma editora comercial. Parti para os autores dos artigos nos quais o livro
foi citado. Sem retorno, tentei a Academia Maranhense de Letras. Nada. Sem mais
alternativas, pedi socorro no facebook!
Algumas pessoas me procuraram dispostas a ajudar; um correu
atrás de sebos, outra me enviou um livro de literatura com um capítulo inteiro sobre
o poeta (obrigada gente!!), mas aí veio a Monique Prada, que marcou um amigo
maranhense no post.
Rafael Silva, o amigo marcado, se dispôs imediatamente a me
ajudar. Quando eu voltava da entrega dos 3 últimos prêmios, havia um recado
dele na minha página pedindo que eu fizesse contato com Júlia Moraes, filha de
imortal da academia que era amigo do autor. Naquela noite, pela hora e pelo
cansaço, não fiz nada; na manhã seguinte Rafael me avisou que Júlia tinha
novidades. Em menos de uma hora depois do aviso, estava Júlia em posse do meu
endereço disposta a enviar-me uma cópia da obra, a qual ela tinha!
Nem preciso dizer que chorei de emoção, não é? Na semana
seguinte Júlia me avisou que o livro estava no correio e hoje, uma semana
depois, o improvável aconteceu: o livro publicado de forma restrita, no
centenário de morte de Gonçalves dias – o que significa que esse livro
completou 50 anos em 2014, estava em minhas mãos.
Hoje me faltam palavras para agradecer todos os envolvidos,
desde os que tentaram sem sucesso me ajudar, até Monique, Rafael e Júlia, que
fizeram acontecer. Talvez, mesmo sendo eu escritora, jamais consiga colocar em
palavras o quanto isso tudo significou pra mim. Não apenas ter acesso ao livro,
mas seu esforço, seu empenho, sua boa vontade em me ajudar.
De minha parte, espero que Ana Amélia perdoe Gonçalves Dias
e que possam viver seu amor em algum ponto da eternidade. E espero manter em
minha vida, para sempre, Monique, Rafael, Júlia e todos os amigos queridos
sempre dispostos a fazer parte da minha biografia.
Encerro esse post com Ainda uma Vez – Adeus.
I
Enfim te vejo! — enfim posso,
Curvado a teus pés, dizer-te,
Que não cessei de querer-te,
Pesar de quanto sofri.
Muito penei! Cruas ânsias,
Dos teus olhos afastado,
Houveram-me acabrunhado
A não lembrar-me de ti!
II
Dum mundo a outro impelido,
Derramei os meus lamentos
Nas surdas asas dos ventos,
Do mar na crespa cerviz!
Baldão, ludíbrio da sorte
Em terra estranha, entre gente,
Que alheios males não sente,
Nem se condói do infeliz!
III
Louco, aflito, a saciar-me
D'agravar minha ferida,
Tomou-me tédio da vida,
Passos da morte senti;
Mas quase no passo extremo,
No último arcar da esp'rança,
Tu me vieste à lembrança:
Quis viver mais e vivi!
IV
Vivi; pois Deus me guardava
Para este lugar e hora!
Depois de tanto, senhora,
Ver-te e falar-te outra vez;
Rever-me em teu rosto amigo,
Pensar em quanto hei perdido,
E este pranto dolorido
Deixar correr a teus pés.
V
Mas que tens? Não me conheces?
De mim afastas teu rosto?
Pois tanto pôde o desgosto
Transformar o rosto meu?
Sei a aflição quanto pode,
Sei quanto ela desfigura,
E eu não vivi na ventura...
Olha-me bem, que sou eu!
VI
Nenhuma voz me diriges!...
Julgas-te acaso ofendida?
Deste-me amor, e a vida
Que me darias — bem sei;
Mas lembrem-te aqueles feros
Corações, que se meteram
Entre nós; e se venceram,
Mal sabes quanto lutei!
VII
Oh! se lutei! . . . mas devera
Expor-te em pública praça,
Como um alvo à populaça,
Um alvo aos dictérios seus!
Devera, podia acaso
Tal sacrifício aceitar-te
Para no cabo pagar-te,
Meus dias unindo aos teus?
VIII
Devera, sim; mas pensava,
Que de mim t'esquecerias,
Que, sem mim, alegres dias
T'esperavam; e em favor
De minhas preces, contava
Que o bom Deus me aceitaria
O meu quinhão de alegria
Pelo teu, quinhão de dor!
IX
Que me enganei, ora o vejo;
Nadam-te os olhos em pranto,
Arfa-te o peito, e no entanto
Nem me podes encarar;
Erro foi, mas não foi crime,
Não te esqueci, eu to juro:
Sacrifiquei meu futuro,
Vida e glória por te amar!
X
Tudo, tudo; e na miséria
Dum martírio prolongado,
Lento, cruel, disfarçado,
Que eu nem a ti confiei;
"Ela é feliz (me dizia)
"Seu descanso é obra minha."
Negou-me a sorte mesquinha. . .
Perdoa, que me enganei!
XI
Tantos encantos me tinham,
Tanta ilusão me afagava
De noite, quando acordava,
De dia em sonhos talvez!
Tudo isso agora onde pára?
Onde a ilusão dos meus sonhos?
Tantos projetos risonhos,
Tudo esse engano desfez!
XII
Enganei-me!... — Horrendo caos
Nessas palavras se encerra,
Quando do engano, quem erra.
Não pode voltar atrás!
Amarga irrisão! reflete:
Quando eu gozar-te pudera,
Mártir quis ser, cuidei qu'era...
E um louco fui, nada mais!
XIII
Louco, julguei adornar-me
Com palmas d'alta virtude!
Que tinha eu bronco e rude
Co que se chama ideal?
O meu eras tu, não outro;
Stava em deixar minha vida
Correr por ti conduzida,
Pura, na ausência do mal.
XIV
Pensar eu que o teu destino
Ligado ao meu, outro fora,
Pensar que te vejo agora,
Por culpa minha, infeliz;
Pensar que a tua ventura
Deus ab eterno a fizera,
No meu caminho a pusera...
E eu! eu fui que a não quis!
XV
És doutro agora, e pr'a sempre!
Eu a mísero desterro
Volto, chorando o meu erro,
Quase descrendo dos céus!
Dói-te de mim, pois me encontras
Em tanta miséria posto,
Que a expressão deste desgosto
Será um crime ante Deus!
XVI
Dói-te de mim, que t'imploro
Perdão, a teus pés curvado;
Perdão!... de não ter ousado
Viver contente e feliz!
Perdão da minha miséria,
Da dor que me rala o peito,
E se do mal que te hei feito,
Também do mal que me fiz!
XVII
Adeus qu'eu parto, senhora;
Negou-me o fado inimigo
Passar a vida contigo,
Ter sepultura entre os meus;
Negou-me nesta hora extrema,
Por extrema despedida,
Ouvir-te a voz comovida
Soluçar um breve Adeus!
XVIII
Lerás porém algum dia
Meus versos d'alma arrancados,
D'amargo pranto banhados,
Com sangue escritos; — e então
Confio que te comovas,
Que a minha dor te apiade
Que chores, não de saudade,
Nem de amor, — de compaixão,