Ao
longo da minha trajetória literária, por mil questões que envolvem uma tremenda
falta de sorte de uma conta bancária precária, não tive exatamente uma rotina
que permitisse que situações como a do objeto desse post virassem simplesmente
rotina. Tem lá seu lado positivo porque a rotina poderia tirar a graça, e o
lado negativo que eu adoraria que minha vida de fato fosse ASSIM.
O fato
é que minha vida começou a ganhar contorno de realização de sonho quando decidi
deixar meu orgulho de lado e entrar no edital da prefeitura com meu livro novo
(sim, existe um). Para tal contratei Claudio Troian, o mais badalado produtor
cultural da cidade. Não apenas ingressamos com o projeto do livro na prefeitura
como tivemos a oportunidade de nos conhecermos e Troian descobriu em mim uma
pessoa sempre disposta a falar de literatura.
Daí pra
primeira oportunidade de falar de literatura foi só uma questão de tempo.
O
convite veio com o desafio de falar sobre literatura LGBT em um projeto de
encontros entre escritores e leitores chamado Órbita Literária. Não foi
exatamente um desafio no sentido que sou ativista dessa bandeira desde criança,
mas inicialmente me bateu um conflito moral de ser eu, uma mulher hétero, a
falar do tema, e não um autor ou uma autora efetivamente homossexual.
Consultei
várias amigas e amigos homossexuais sobre o assunto e todos acharam ótimo, me
deram o maior apoio, então corri atrás de dicas de livros, autores e conteúdo
para 1h30 de painel.
Como eu
escrevi um artigo científico sobre a questão da homossexualidade/ homofobia, eu
tinha já um vasto material informativo pra enriquecer o evento. O que eu não
sabia é que eu teria uma tragédia tristíssima pra comentar. O evento, por
ironia, acabou acontecendo apenas uma semana depois do massacre de Orlando, até
pareceu que foi programado por isso, mas, como eu comentei no próprio painel,
todo dia é dia propício pra falar que homofobia mata porque ela mata todos os
dias.
Na véspera
do esperado dia, foi agendada uma entrevista numa rádio de grande audiência por
aqui, e eu, que quase não A-D-O-R-O dar entrevistas, já acordei segunda
contando os minutos.
A
entrevista durou por volta de 20 minutos, fluiu tão naturalmente quando uma
conversa, falamos não apenas do tema específico, mas em outras discriminações
como o racismo, ainda tive a chance de corrigir um erro muito comum: muito
homofóbico se defende alegando que não sente medo de homossexuais, logo, não
pode ser “fóbico”, mas “fobia” não é apenas medo, mas desprezo e aversão, logo,
desprezar homossexuais é homofobia.
As
perguntas foram ótimas, tive também a chance de falar um pouco do meu livro e
reforçar o convite pra noite.
A noite
definitivamente não foi para os fracos. Um frio absurdo em plena segunda-feira,
com provas na faculdade, foram elementos-chave para o público se manter na
média dos encontros mesmo sob uma temática que está em alta. Mas se tem uma
coisa da qual não posso reclamar é do público!
Interatividade
foi a grande marca. Consegui transmitir os dados e informações que levei
tornando o encontro muito engrandecedor para a maioria – que jamais tinha
efetivamente se aprofundado no tema – sem deixar de falar da literatura. Como
todos que me acompanham sabem, considero a literatura uma “arma de libertação
em massa”, e abraço, como artista, a missão de mudar, mesmo que lentamente,
mesmo que pouco, o mundo.
Defendo
e sempre defenderei a arte como talvez a maior ferramenta de libertação,
juntamente com a educação. É preciso que não apenas a sociedade aprenda a
respeitar o artista, mas que esse reconheça sua importância e seu papel social
e transforme o seu trabalho em uma forma de moldar mentes e corações em prol do
nosso futuro.
Foi
essa mensagem que busquei transmitir em meu painel, porque a única maneira de
vencer o ódio é o amor, e o amor não nasce sozinho, ele precisa ser plantado.
Alguns livros que eu indiquei na ocasião:
Amora – Natália Borges Polesso
São muitas. Amora é um livro de contos sobre mulheres e
amores. Com uma sensibilidade ímpar, Natália explora o universo lésbico como
deve ser: absolutamente normal. São mulheres comuns, cotidianas, com histórias
igualmente comuns e cotidianas, que amam e se relacionam com outras mulheres.
Teleny – Oscar Wilde
Embora exista uma forte controvérsia sobre a autoria –
originalmente a obra foi publicada anonimamente, mas o estilo de Wilde foi
reconhecido – Teleny é considerado a primeira obra erótica homossexual. A obra
conta a história de Camille, um jovem que, embora já se soubesse gay, assume
sua sexualidade ao se apaixonar pelo pianista Teleny.
O 3º Travesseiro – Nelson Luiz de Carvalho
Polêmico do início ao fim, O 3º Travesseiro fala
primordialmente de sexo. Embora haja, nas entrelinhas do relacionamento, amor
entre os protagonistas Marcus e Renato, o que os move à união é o desejo
sexual. Entretanto, embora seja um romance assumidamente gay, o elemento da
bissexualidade é inserido na trama através da entrada de Beatriz na história.
Ex-namorada de Renato, Beatriz acaba por se tornar amante de ambos.
Eu te amo, Phillip Morris – Steve McVicker
Steven Russel é um golpista, mas acima de tudo, um homem
apaixonado. O livro conta a história real de Russel, um homem que abandonou sua
vida regradinha de policial frequentador de igreja e marido devotado para
arriscar a própria liberdade em nome de seu amor por Phillip Morris. Russel
acaba sendo preso inúmeras vezes e se tornando mestre em fugas para permanecer
ao lado de seu grande amor.
A menina submersa – Caitlin R. Kiernan
Imp é uma jovem que herdou a esquizofrenia da mãe e da avó.
A história em si é uma viagem completamente insana em sua mente, em que nunca
sabemos o que é real ou imaginário. De real em Imp temos seu lesbianismo e seu
namoro com uma mulher transexual, bem como sua paixão avassaladora por uma moça
que ela acolheu em sua casa tão logo a conheceu.
Will &
Will – John Green e David Levithan
Trata-se de um romance tipicamente adolescente, com
conflitos e paixões adolescentes. São dois “Wills” cuja vida se cruza em um
determinado momento; um é tímido e gay, o outro arriscou a própria reputação
para defender o melhor amigo, sendo esse gay e extremamente egocêntrico.
Laços de Sangue – Michael Cunningham
A história narra a trajetória de uma família normal, com
seus conflitos e problemas. Um dos conflitos centrais da obra, entretanto, é a
decepção do pai com o filho gay, mostrando a relação complicada entre pai e
filho quando o pai não aceita a orientação sexual do filho. Para completar a
equação, a melhor amiga de uma das filhas é uma drag queen.
Em nome do desejo – João Silvério Trevisan
Trevisan, ele mesmo homossexual assumido, trada de paixão
carnal avassaladora, somando-se às histórias em que a proibição é um convite a
se fazer o que outrora foi proibido. Para abordar a temática, Trevisan escolhe
um seminário de padres, e o casal apaixonado é formado por meninos. O foco não
é a homossexualidade deles, mas a proibição do desejo.
Giovanni – James Baldwin
David é mais uma vítima da heteronormatividade. Embora se
saiba gay desde jovem, vive uma paixão heterossexual por uma mulher que lhe
parece ideal: divertida e segura. Mas tudo desmorona quando conhece Giovanni. O
amor fala mais alto e David se vê obrigado a encarar sua necessidade de sair do
armário.
Por
fim, um agradecimento especial ao Troian, à Juliana, Tiago, Nano, Erni, todo o
pessoal do Órbita, do Arco da Velha, Tomás da Rádio Caxias e todos os corajosos
que enfrentaram o frio intenso pra me ouvir falar. Obrigada de coração por me
dar uma amostrinha da vida que sempre sonhei!