domingo, 29 de maio de 2016

Eu, fake

                Fake, inglês de “falso”. Lembro como se fosse hoje o conflito que senti quando me apaixonei pela música “Fake Plastic Trees” do Radiohead. Conflito porque eu sabia que tree é árvore e plastic é plástico, mas desconhecia fake – não me julguem, foi bem antes das redes sociais – e então descobri que era “falso”. Mas como assim “árvores falsas de plástico”? Isso é redundância!

                Levei até esse momento pra descobrir que o objetivo desse título é reforçar a falsidade e superficialidade de tudo. A música, que parece não fazer sentido, é uma crítica à superficialidade. A mesma que leva um monte de gente estranha a renegar minha história de vida e me rotular de... fake.

                Sim, superficialidade. Cada qual com sua individualidade e a minha, insana, parece não escorregar bem pela garganta dos falsos moralistas ou gente que não entende que minha mente, ao contrário do meu corpo, é livre. Talvez nem o sejam assim tão falsos, mas eu causo estranhamento. E se causo, ALELUIA, já pensou que porre ser... normal?

                Fake. Ah, sim, sem dúvida nenhuma, sou fake porque quando digo que algo me fez chorar, não são minhas lágrimas que lá estão, apenas meu depoimento vazio como caracteres de computador. Não é minha emoção que lá está. A emoção é só minha – tal qual as glândulas lacrimais que tem bastante trabalho nesse corpo emotivo e sensível.

                Talvez então seja porque não resisti e revelei minha pequena paixão platônica sem ser capaz de dizer um nome. Vai que o menino não gosta. Sei lá.

                Não tenho, entretanto, como ser mais fake quando me revolto. Nenhuma palavra escrita entre pixels pode ter a força da explosão que a revolta causa em mim. Mesmo escritora, nenhuma palavra reflete com precisão o combo biológico que os sentimentos provocam no meu corpo redondo. Sim, fake então.

                Tenho um rosto que nunca escondi, já me expus das mais diversas formas pra não deixar dúvidas – e francamente, se eu fosse roubar fotos para simular um eu inexistente, não usaria o rosto da gordinha, optaria por Gisele, a Bun...bun... ah, vocês sabem quem é.

                Me desnudo a cada texto, a cada frase, a cada vírgula. Se ainda assim você desconhece minha nudez existencial, talvez uma boa visita ao oftalmo não cairia assim tão mal. Me desculpem os desconfiados, posso até não ser palpável pelo monitor, mas por trás das fibras óticas ainda bate um coração.

                Mas então eu me dei conta... sou escritora. Crio vidas onde nada havia, crio histórias nas curvas da massa cinzenta. Fake... e não é que vocês têm razão? Eu simulo vidas! Cuidado com a fake, ela pode te matar na próxima página!

                Fake. A única coisa que não consigo falsificar nisso tudo sou eu mesma. Eu sei, eu sei, parece loucura, mas é só quem eu sou. E adoro.


quinta-feira, 26 de maio de 2016

Aos 16

                Aos 16 anos meus sonhos de menina princesa me foram arrancados do corpo tal qual meu hímen, até então intacto. Eu vivia apaixonada por algum colega de escola e era rejeitada por todos porque eu tinha aquele jeitão meio infantil que não atraía os moleques espinhentos, que dava tudo pra circular pela escola com as meninas bonitonas, dava status, sabe como é adolescente.

                Eu era uma garotinha com sonhos de beijar o menino que eu gostava sob a luz da lua cheia, imaginava que na minha primeira vez, eu seria capaz de ouvir sinos porque eu estaria entregando meu corpo e minha inocência ao rapaz que me acordaria com uma flor no dia seguinte. Imaginei que ganharia bilhetinhos apaixonados depois até que ele, todo tímido, falasse com meus pais que queria me namorar.

                Eu via que na vida real a coisa estava bem diferente; meus colegas ficavam todos com todos, sem qualquer romantismo nem nada que lembrasse meus sonhos. Lembro inclusive que uma vez deu um surto de herpes labial na minha sala porque um pegou de alguém de fora e no fim de semana as transmissões do vírus foram coletivas.

                Mas ainda assim eu sonhava, eu estava no meu direito.

                Eu acreditava até que ele cruzou meu caminho.

                Não houve beco escuro. Não houve um monstro. Ali éramos um homem e uma garota. Uma garota que disse “não” e um homem que não se importou com isso.

                Aos 16 morreu uma garotinha sonhadora que achava que ainda era possível ser feliz. Não há nada mais cruel do que morrer e permanecer presa em um corpo vivo.


terça-feira, 17 de maio de 2016

Conto de fadas

                Érica um dia se apaixonou por Mônica.

                Érica era uma garotinha perfeitamente normal. Criada num lar tradicional, tinha conjuntos de panelas e vestido de princesa. Mônica também.

                Cassiana odiava rosa. Vivia com as pernas roxas andando no skate todo lascado do irmão. Ele preferia modelar estatuetas de gesso. Cassiana preferia cabelos curtos porque não esquentava tanto o pescoço e amava azul – era a cor do céu, dizia.

                Canelas roxas, cabelos curtos, bermuda azul, Cassiana se apaixonou por Marcos.

                Luciano gostava de academia. Careca marombado, escorria testosterona por seus poros. Sob ele, o coração batia mais forte por Rafael, que tinha aquele sorriso lindo e sabia todas as músicas da Cher.

                Mônica dançou valsa com Érica no seu baile de 15 anos. As duas com vestidos que mais pareciam feitos de chantilly.

                Felipe nasceu Fernanda.  Amar Tadeu só complicou a coisa, afinal, Fernanda e Tadeu eram um casal tão fofo, já Felipe e Tadeu arrancavam olhares desconfiados por onde passavam. Felipe, quando entendeu porque seu coração nunca estava feliz e resolveu ser ele mesmo, nem ligava se ele e Tadeu não eram o que o mundo queria. Eles eram o que eles mesmos queriam, e isso é que importava.

                Marcos ia ser advogado, vivia de terno, pomposo e engomado, mas a tatuada Cassiana lhe parecia tão ideal... uma vida inteira sendo chamada de sapata e quem diria, Cassiana casaria com o “doutor”.  Alargador na orelha, piercings no nariz, “Love” com uma letra em cada dedo. A delicadeza da aliança contrastou com a rebeldia de um vestido vermelho inteirinho de retalhos.

                Rafael entrou na suíte nos braços fortes de Luciano. Recém-Casados estampado no carro. Érica e Mônica estavam lá, bem na hora, agendando a data no cartório. Um dia antes Felipe, ainda formalmente Fernanda, trocava juras de amor com Tadeu.

                No fim das contas tava todo mundo muito feliz.

                Menos Jairo, um pobre-coitado enxotado de casa por chifrar a mulher, que passa os dias na frente do cartório se cuspindo todo entre mil palavrões contra a felicidade desses casais. O sangue nos olhos, a baba que salta entre um palavrão e outro e a amargura em seu coração é tudo o que lhe resta.

                Coitado.