Olho
teus olhos no espelho e tudo o que consigo pensar é se algum dia serei capaz de
te deixar escolher entre você e nós.
Abri
mão de tantos sonhos e vontades em que você jamais se encaixaria por crer que
tudo o que poderíamos construir valeria a pena, sem perceber que eu te
aprisionava como um pássaro de asas cortadas. Jamais quis te ferir, e foi
justamente assim que arranquei um pedaço de ti.
Ainda
estou aprendendo a amar sem amarrar. Não é algo simples, mas quando avisto teus
olhos tristonhos no espelho da penteadeira, sei que estou errando contigo. Sei
que construí uma gaiola ao seu redor e eu mesma perdi a chave.
Quisera
eu ser assim tão capaz de te libertar de mim mesma sem te perder, porque não
sou tua algoz, sou quem daria a vida por ti. Vejo que me tens muito mais como
uma carrasca do que como um amor. Isso me fere tanto quanto a ti.
Ainda
estou aprendendo a amar, tentando agir de forma a te deixar livre sem precisar
te ver partir.
Abro a
porta do quarto. Sinto a brisa leve invadir a alcova. Você se cobre. Eu sorrio.
Não parece disposto a partir. Até que as asas voltam a crescer. Te vejo passar
pela porta sem me mover. Me propus a te libertar e vou até o fim.
A porta
se fecha com você do lado de fora. Sei que te perdi.
Ainda
estou aprendendo a amar. Um aceno silencioso que você nunca viu e eu me recolho
ao meu pesar.
Antes
mesmo que eu pudesse perceber, eu sabia que também estava livre.
Éramos
pilhas e pilhas de amores incompreendidos, impossíveis, inconvenientes. Éramos
o que o mundo não queria ver. Éramos simplesmente amantes sob o luar sem juras
de amor porque juras são nada perto de beijos, abraços e atos.
Não
tínhamos certeza, tínhamos fé. Não em coisas invisíveis, mas em nós mesmos.
Lutávamos tanto e com tanta força que jamais nos foi dúvida que duraríamos até
o próximo amanhecer. Querendo o mundo ou não.
Munia-se de letras. Eram muitas,
aguerridas, corajosas como só os grandes heróis conseguem ser. Ela, uma
garotinha franzina e medrosa, sentia-se invencível quando munida de letras.
Entre parágrafos e paráfrases,
compunha melodia. Entre sílabas tônicas e pontos finais criava mundos novos
onde antes havia o nada. Do vazio, histórias. Tinha predileção por histórias
apocalípticas. Era dramática como uma onomatopeia dolorida.
Tsunamis de ideias, temporais de
símbolos gráficos que a avisavam que os caracteres podiam estar em perigo.
Tentou no teclado, sentiu-se nua. Foi à mão, armada de uma caneta e papel,
resgatar letra a letra de um abismo de não-inspiração para o encantamento de
mais uma história nascida com gotinhas de tinta azul.
Era metáfora. Toda ela. Hipérboles
pediam passagens e o casamento do “ão” estava prestes a começar. Mundão! Ô
mundão! Se houver guerra de letras, o casal não há de conceder perdão.
Passos à frente, um novo perigo. Uma
página corria fugida ainda sem nenhuma linha de letras escritas ostentar! Pega
fujona! Página, em branco, não pode ficar! Corriam palavras pré-pronta em
desespero, se a página foge pra onde elas vão?
A nossa escritora não se deu por
vencida. A força das letras não se entregaria à página entregue ao sabor do
vento. Sem ela, o que faria? Qualquer superfície havia de servir, e com sua
espada de ponta azul, registrou em seus próprios braços as palavras que antes
temiam a morte e agora encontravam na epiderme o seu lar.
Escritores sempre encontram um meio
de libertar as palavras e dar-lhes um cantinho para descansar.
Durante
alguns anos da minha vida, eu fiz parte. Na verdade esse sentimento de “fazer
parte” é, seguidamente, uma grande ilusão que criamos justamente para não nos
sentirmos socialmente isolados. Mas como já disse, uma ilusão. Ser parte de um
grupo social tende a ser provisório. Não, isso não é um tratado sociológico nem
antropológico sobre pertencimento social, esse é apenas um texto onde vou
contar uma história.
Eu tive
uma juventude tardia; quando era tempo de ser apenas uma adolescente, eu
dedicava meus dias às causas sociais isolada dos demais jovens que me achavam
ou muito chata, ou completamente louca. Com a maturidade fui aprendendo a dosar
meu ativismo social com a minha própria vida, e foi nessa época, já perto dos
meus 30 anos, que enfim fui jovem.
Independente,
morando sozinha, carreira em ascensão e um bom salário foram as fórmulas para
passar 4 anos da minha vida acompanhando minha banda favorita por todos os
cantos do Estado. Conheci mais cidades nesse período do que em todo o resto da
minha vida. Vivi coisas que muita gente idosa jamais viveu. Descobri que NENHUM
tênis no planeta continua confortável depois de 6 horas de pé.
Descobri
que nem tudo é o que parece. Para o bem e para o mal.
Ao
mesmo tempo que máscaras caíram em um dos piores momentos da minha vida,
guardei pra mim um medo profundo que tudo tivesse sido em vão. Saí sangrando,
ferida e insegura. Passei dois anos da minha vida amargando a privação de um
adeus.
Foi em
2013 que estive com eles pela última vez, e eu não sabia que era última vez.
Não ter tido a chance de um último abraço e um “muito obrigada” me corroía como
ácido. Fui reconstruindo minha vida mas eu sabia que não conseguiria simplesmente
seguir em frente sem pelo menos um último abraço.
Depois
de 2 anos eles estiveram aqui, na cidade em que fui obrigada a voltar, pra vida
que não se parece com aquela que lutei pra construir, pra história que estou
reescrevendo depois de juntar meus cacos. E eu fui vê-los com aquele medo
terrível do que eu poderia encontrar. Eu não sabia o que esperar. Eu não sabia
o tipo de reação que teria porque desde aquele meu último encontro, tudo o que
eu sabia da parte dessa história que vivemos juntos foi pelos outros, por
fofocas, por informações incompletas, por deduções e paranoias minhas.
Um ano
atrás teve um show, não tive coragem de ir, não estava pronta para voltar à
frente do palco não pertencendo mais, não tendo mais aquela vida, eu não era
mais a Maya que coordenava a entrada do grupo no camarim. Eu não era mais a
Maya que apresentava mil ideias, que criava materiais do grupo, que escrevia
textos em que todos choravam ao ler, que atravessava a cidade onde morava
sozinha, pegava o metrô e encontrava com um grupo que a respeitava. Eu não era
mais ninguém perto do que fora um dia.
Àquela
altura, do primeiro show na minha cidade desde que voltei em mosaico, eu era um
resto. Uma pessoa acuada, isolada, empobrecida e fragilizada. Tudo havia se
perdido, inclusive meus sonhos.
Não ia
nesse show de agora. Não sabia se podia suportar porque dentro de minha neurose
(por sinal, esse é o nome da música que mais amo no mundo), eu já não representava
mais nada pra banda, pra mais ninguém dessa época. Ouvir as músicas me doiam por dentro, como se abrissem feridas, e eu, que já havia reunido e colado de
volta boa parte dos meus pedaços, ainda não havia me recuperado financeiramente
para arriscar a investir o que não tinha em um evento que poderia me machucar
ainda mais.
Mas eu
precisava do adeus que não pude dar.
Então
fui na sessão de autógrafos realizada à tarde.
Pense
em 2 anos de tempo nublado, chuvas e noites sem fim. Pense que nesse cenário
renasceu o sol. Em um abraço apertado, um sorriso sincero e um “a gente vai dar
um jeito” para que eu pudesse vê-los no palco outra vez que eu descobri que não
haviam duas Mayas – a que fazia parte e a que não era ninguém – só havia uma e
era justamente a Maya que conquistou o carinho e o respeito de seus ídolos.
Talvez
o Jonathan, líder da banda, jamais leia esse texto e jamais saiba que a reação
dele a mim naquele momento me tirou de um período longo de um sofrimento que me
alfinetava o coração desde 2013. Talvez ele jamais saiba que, durante o show,
eu chorei, mas não de tristeza como vinha sendo, de emoção porque meus planos
de despedida foram trocados por um “ainda nos veremos muito”.
E isso
não foi uma impressão. O pós show, momento em que eu ficava junto ao produtor
na porta coordenando a entrada dos fãs e, por vezes, nem aproveitando, me
mostrou que a única coisa que mudou é que agora eu era capaz de fazer isso tudo sozinha, sem quem pudesse me apunhalar pelas costas, como sempre acontece em grupos grandes e heterogêneos. Não todos, obviamente, teve muita gente especial que ficou
pra trás – baixas de guerra? – mas ali estava eu de coração aberto, sendo não
mais a Maya poderosa, com contatos e alguma influência, mas a fã genuinamente
envolvida no trabalho da banda, a amiga que efetivamente faz parte da história
da banda, o ser humano com todas as suas vulnerabilidades. E ali reencontrei
meus AMIGOS.
Era bom
estar num ambiente onde as máscaras caídas não haviam sido minhas companheiras de
viagem.
Não me
arrependo de nada dos 4 anos que compartilhei meu amor pela Reação em Cadeia
com tanta gente diferente. Não me arrependo não apenas porque foi um dos
melhores períodos da minha vida, mas porque ali deixei gente muito boa. Me vi
perdida em cinzas quando tudo acabou, mas eu sei que a cada pessoa que me
magoou, tem 10 que nutrem um carinho real por mim.
E tem a
própria banda. “Você sempre terá a Reação em Cadeia”. Eu sei, Jonathan. Agora
eu sei. Agora eu finalmente sei que eu não me iludi quando acreditei que fazia
parte. Eu realmente fazia. Eu faço.
Jonathan,
Dani, Elias, Tiago, obrigada por fazerem o sol brilhar outra vez aqui. Essa
frase nunca fez tanto sentido quanto agora.
Hoje é
o primeiro dia do resto dos nossos dias e eu não preciso mais esperar por
vocês, porque vocês estão aqui. Sempre estiveram, só estive impossibilitada de
ver por um longo período.
Aos
amigos que fizeram parte desses 4 anos comigo, deixo aqui uma novidade que já
compartilhei com os guris e recebi todo o apoio do Jonathan: Galera da Van vai
virar livro. Como criadora do termo, vou usa-lo livremente mesmo que não
pertença mais ao grupo. Antes que comece o ataque de pânico, não vou expor
ninguém, meu objetivo não é esse.
E
agora, enfim, eu posso respirar em paz.
Título e algumas frases do texto retirados da música "Neurose".
E se algum dia eu não estiver aí com
você, estarei onde puder guiando seus passos. Deixo nessas linhas muito mais do
que uma despedida; deixo pequenos pedaços de mim em uma vã tentativa de não
sair da sua vida jamais. Aceite essas pequenas gotas da minha essência para que
o “nós” jamais se perca no tempo, no espaço, no esquecimento.
Te amei com cada fibra do meu ser.
Te amarei mesmo que não haja mais nada de mim para tal no dia de amanhã. Mas te
amarei, não creio que o adeus seja assim tão forte para me separar de você em
definitivo.
Não acreditas em alma, mas peço que
acredite no vento, porque quando ele soprar em seus cabelos, serei eu dizendo
que ainda te amo, mesmo que se tenham passado décadas desse dia. Acreditas na
chuva, que serei eu a chorar de saudade dos teus abraços, e se um arrepio
cobrir teu corpo, serei eu tentando abraçar-te. E mesmo que nada disso seja
possível, é possível que eu te ame eternamente, porque é de eternidade que é
feito o amor.
E quando esse dia terminar, com meu
último suspiro, eu terei dito tudo o que eu precisava dizer antes de partir.
Poderei te dizer que nem mesmo as estações serão as mesmas quando eu estiver
lá, sobre as nuvens, porque o calor será meu jeito de te convidar para o mar, e
o frio para um bom filme debaixo do cobertor. A primavera serei eu te cobrindo
de flores, o outono, meu presente para tua eterna infância, um convite para
pisar nas folhas secas.
Hoje eu vou partir. Vou porque sei
que não te deixarei sozinho, sempre haverá uma luz a te guiar, sempre haverá
meu sopro indicando a direção, sempre haverá meu amor para cobrir todos os
espaços quando sua alma doer de solidão.
E nunca esqueça, para onde quer que
eu vá, darei um jeito de te lembrar que eu jamais deixarei de te amar. Preste
atenção no canto dos pássaros, no pôr do sol, na brisa suave, no gole de vinho,
na chuva e no sol. Preste atenção em cada pequena coisa cotidiana, aproveite-as
profundamente porque em todas elas eu estarei presente. Aproveite cada instante
da sua vida a partir de agora, porque em cada um deles, encontrará um pedacinho
de mim te dizendo que você jamais estará sozinho.
Quando então você tiver vivido tudo
de bom que merece viver, quando tiver se emocionado bastante com coisas
bonitas, lutado por causas justas, conquistado seus sonhos e superado a
fragilidade da humanidade, eu estarei exatamente aqui, do teu lado, pronta para
te dar a mão e te levar de volta pra casa. E aí então, meu amor, estaremos completos
outra vez.