segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Meus prantos

Desabafarei minhas dores em uma página qualquer
Destilarei amores, derrubarei meus prantos
Sei que de minha alma arrancarei versos
Perversos
Sei que de minhas feridas sairão navalhas
Que ferirão você.
Desabafarei minhas dores engolindo o choro
Mantendo secretas minhas mágoas
Amargarei a solidão da culpa
Conviverei com o medo
De partir teu coração.
E mesmo assim partirei
E dedicarei meus versos

A implorar o teu perdão.


segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Livres

                Ainda estou aprendendo a amar.

                Olho teus olhos no espelho e tudo o que consigo pensar é se algum dia serei capaz de te deixar escolher entre você e nós.

                Abri mão de tantos sonhos e vontades em que você jamais se encaixaria por crer que tudo o que poderíamos construir valeria a pena, sem perceber que eu te aprisionava como um pássaro de asas cortadas. Jamais quis te ferir, e foi justamente assim que arranquei um pedaço de ti.

                Ainda estou aprendendo a amar sem amarrar. Não é algo simples, mas quando avisto teus olhos tristonhos no espelho da penteadeira, sei que estou errando contigo. Sei que construí uma gaiola ao seu redor e eu mesma perdi a chave.

                Quisera eu ser assim tão capaz de te libertar de mim mesma sem te perder, porque não sou tua algoz, sou quem daria a vida por ti. Vejo que me tens muito mais como uma carrasca do que como um amor. Isso me fere tanto quanto a ti.

                Ainda estou aprendendo a amar, tentando agir de forma a te deixar livre sem precisar te ver partir.

                Abro a porta do quarto. Sinto a brisa leve invadir a alcova. Você se cobre. Eu sorrio. Não parece disposto a partir. Até que as asas voltam a crescer. Te vejo passar pela porta sem me mover. Me propus a te libertar e vou até o fim.

                A porta se fecha com você do lado de fora. Sei que te perdi.

                Ainda estou aprendendo a amar. Um aceno silencioso que você nunca viu e eu me recolho ao meu pesar.

                Antes mesmo que eu pudesse perceber, eu sabia que também estava livre.

                E nos reencontramos. E voamos juntos.


sábado, 21 de novembro de 2015

Pilhas

                Éramos pilhas e pilhas de amores incompreendidos, impossíveis, inconvenientes. Éramos o que o mundo não queria ver. Éramos simplesmente amantes sob o luar sem juras de amor porque juras são nada perto de beijos, abraços e atos.

                Não tínhamos certeza, tínhamos fé. Não em coisas invisíveis, mas em nós mesmos. Lutávamos tanto e com tanta força que jamais nos foi dúvida que duraríamos até o próximo amanhecer. Querendo o mundo ou não.

                E o mundo nunca quis.

                Éramos pilhas e pilhas.

                E túmulos.


quarta-feira, 18 de novembro de 2015

A fuga da folha

            Munia-se de letras. Eram muitas, aguerridas, corajosas como só os grandes heróis conseguem ser. Ela, uma garotinha franzina e medrosa, sentia-se invencível quando munida de letras.

            Entre parágrafos e paráfrases, compunha melodia. Entre sílabas tônicas e pontos finais criava mundos novos onde antes havia o nada. Do vazio, histórias. Tinha predileção por histórias apocalípticas. Era dramática como uma onomatopeia dolorida.

             Tsunamis de ideias, temporais de símbolos gráficos que a avisavam que os caracteres podiam estar em perigo. Tentou no teclado, sentiu-se nua. Foi à mão, armada de uma caneta e papel, resgatar letra a letra de um abismo de não-inspiração para o encantamento de mais uma história nascida com gotinhas de tinta azul.

            Era metáfora. Toda ela. Hipérboles pediam passagens e o casamento do “ão” estava prestes a começar. Mundão! Ô mundão! Se houver guerra de letras, o casal não há de conceder perdão.

            Passos à frente, um novo perigo. Uma página corria fugida ainda sem nenhuma linha de letras escritas ostentar! Pega fujona! Página, em branco, não pode ficar! Corriam palavras pré-pronta em desespero, se a página foge pra onde elas vão?

            A nossa escritora não se deu por vencida. A força das letras não se entregaria à página entregue ao sabor do vento. Sem ela, o que faria? Qualquer superfície havia de servir, e com sua espada de ponta azul, registrou em seus próprios braços as palavras que antes temiam a morte e agora encontravam na epiderme o seu lar.

            Escritores sempre encontram um meio de libertar as palavras e dar-lhes um cantinho para descansar. 


segunda-feira, 9 de novembro de 2015

“O sol irá brilhar, outra vez aqui”

                Durante alguns anos da minha vida, eu fiz parte. Na verdade esse sentimento de “fazer parte” é, seguidamente, uma grande ilusão que criamos justamente para não nos sentirmos socialmente isolados. Mas como já disse, uma ilusão. Ser parte de um grupo social tende a ser provisório. Não, isso não é um tratado sociológico nem antropológico sobre pertencimento social, esse é apenas um texto onde vou contar uma história.

                Eu tive uma juventude tardia; quando era tempo de ser apenas uma adolescente, eu dedicava meus dias às causas sociais isolada dos demais jovens que me achavam ou muito chata, ou completamente louca. Com a maturidade fui aprendendo a dosar meu ativismo social com a minha própria vida, e foi nessa época, já perto dos meus 30 anos, que enfim fui jovem.

                Independente, morando sozinha, carreira em ascensão e um bom salário foram as fórmulas para passar 4 anos da minha vida acompanhando minha banda favorita por todos os cantos do Estado. Conheci mais cidades nesse período do que em todo o resto da minha vida. Vivi coisas que muita gente idosa jamais viveu. Descobri que NENHUM tênis no planeta continua confortável depois de 6 horas de pé.

                Descobri que nem tudo é o que parece. Para o bem e para o mal.

                Ao mesmo tempo que máscaras caíram em um dos piores momentos da minha vida, guardei pra mim um medo profundo que tudo tivesse sido em vão. Saí sangrando, ferida e insegura. Passei dois anos da minha vida amargando a privação de um adeus.

                Foi em 2013 que estive com eles pela última vez, e eu não sabia que era última vez. Não ter tido a chance de um último abraço e um “muito obrigada” me corroía como ácido. Fui reconstruindo minha vida  mas eu sabia que não conseguiria simplesmente seguir em frente sem pelo menos um último abraço.

                Depois de 2 anos eles estiveram aqui, na cidade em que fui obrigada a voltar, pra vida que não se parece com aquela que lutei pra construir, pra história que estou reescrevendo depois de juntar meus cacos. E eu fui vê-los com aquele medo terrível do que eu poderia encontrar. Eu não sabia o que esperar. Eu não sabia o tipo de reação que teria porque desde aquele meu último encontro, tudo o que eu sabia da parte dessa história que vivemos juntos foi pelos outros, por fofocas, por informações incompletas, por deduções e paranoias minhas.

                Um ano atrás teve um show, não tive coragem de ir, não estava pronta para voltar à frente do palco não pertencendo mais, não tendo mais aquela vida, eu não era mais a Maya que coordenava a entrada do grupo no camarim. Eu não era mais a Maya que apresentava mil ideias, que criava materiais do grupo, que escrevia textos em que todos choravam ao ler, que atravessava a cidade onde morava sozinha, pegava o metrô e encontrava com um grupo que a respeitava. Eu não era mais ninguém perto do que fora um dia.

                Àquela altura, do primeiro show na minha cidade desde que voltei em mosaico, eu era um resto. Uma pessoa acuada, isolada, empobrecida e fragilizada. Tudo havia se perdido, inclusive meus sonhos.

                Não ia nesse show de agora. Não sabia se podia suportar porque dentro de minha neurose (por sinal, esse é o nome da música que mais amo no mundo), eu já não representava mais nada pra banda, pra mais ninguém dessa época. Ouvir as músicas me doiam por dentro, como se abrissem feridas, e eu, que já havia reunido e colado de volta boa parte dos meus pedaços, ainda não havia me recuperado financeiramente para arriscar a investir o que não tinha em um evento que poderia me machucar ainda mais.

                Mas eu precisava do adeus que não pude dar.

                Então fui na sessão de autógrafos realizada à tarde.

                Pense em 2 anos de tempo nublado, chuvas e noites sem fim. Pense que nesse cenário renasceu o sol. Em um abraço apertado, um sorriso sincero e um “a gente vai dar um jeito” para que eu pudesse vê-los no palco outra vez que eu descobri que não haviam duas Mayas – a que fazia parte e a que não era ninguém – só havia uma e era justamente a Maya que conquistou o carinho e o respeito de seus ídolos.

                Talvez o Jonathan, líder da banda, jamais leia esse texto e jamais saiba que a reação dele a mim naquele momento me tirou de um período longo de um sofrimento que me alfinetava o coração desde 2013. Talvez ele jamais saiba que, durante o show, eu chorei, mas não de tristeza como vinha sendo, de emoção porque meus planos de despedida foram trocados por um “ainda nos veremos muito”.

                E isso não foi uma impressão. O pós show, momento em que eu ficava junto ao produtor na porta coordenando a entrada dos fãs e, por vezes, nem aproveitando, me mostrou que a única coisa que mudou é que agora eu era capaz de fazer isso tudo sozinha, sem quem pudesse me apunhalar pelas costas, como sempre acontece em grupos grandes e heterogêneos. Não todos, obviamente, teve muita gente especial que ficou pra trás – baixas de guerra? – mas ali estava eu de coração aberto, sendo não mais a Maya poderosa, com contatos e alguma influência, mas a fã genuinamente envolvida no trabalho da banda, a amiga que efetivamente faz parte da história da banda, o ser humano com todas as suas vulnerabilidades. E ali reencontrei meus AMIGOS.

                Era bom estar num ambiente onde as máscaras caídas não haviam sido minhas companheiras de viagem.

                Não me arrependo de nada dos 4 anos que compartilhei meu amor pela Reação em Cadeia com tanta gente diferente. Não me arrependo não apenas porque foi um dos melhores períodos da minha vida, mas porque ali deixei gente muito boa. Me vi perdida em cinzas quando tudo acabou, mas eu sei que a cada pessoa que me magoou, tem 10 que nutrem um carinho real por mim.

                E tem a própria banda. “Você sempre terá a Reação em Cadeia”. Eu sei, Jonathan. Agora eu sei. Agora eu finalmente sei que eu não me iludi quando acreditei que fazia parte. Eu realmente fazia. Eu faço.

                Jonathan, Dani, Elias, Tiago, obrigada por fazerem o sol brilhar outra vez aqui. Essa frase nunca fez tanto sentido quanto agora.

                Hoje é o primeiro dia do resto dos nossos dias e eu não preciso mais esperar por vocês, porque vocês estão aqui. Sempre estiveram, só estive impossibilitada de ver por um longo período.

                Aos amigos que fizeram parte desses 4 anos comigo, deixo aqui uma novidade que já compartilhei com os guris e recebi todo o apoio do Jonathan: Galera da Van vai virar livro. Como criadora do termo, vou usa-lo livremente mesmo que não pertença mais ao grupo. Antes que comece o ataque de pânico, não vou expor ninguém, meu objetivo não é esse.

                E agora, enfim, eu posso respirar em paz.


Título e algumas frases do texto retirados da música "Neurose".

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Herança

Conto premiado            

          E se algum dia eu não estiver aí com você, estarei onde puder guiando seus passos. Deixo nessas linhas muito mais do que uma despedida; deixo pequenos pedaços de mim em uma vã tentativa de não sair da sua vida jamais. Aceite essas pequenas gotas da minha essência para que o “nós” jamais se perca no tempo, no espaço, no esquecimento.
            Te amei com cada fibra do meu ser. Te amarei mesmo que não haja mais nada de mim para tal no dia de amanhã. Mas te amarei, não creio que o adeus seja assim tão forte para me separar de você em definitivo.
            Não acreditas em alma, mas peço que acredite no vento, porque quando ele soprar em seus cabelos, serei eu dizendo que ainda te amo, mesmo que se tenham passado décadas desse dia. Acreditas na chuva, que serei eu a chorar de saudade dos teus abraços, e se um arrepio cobrir teu corpo, serei eu tentando abraçar-te. E mesmo que nada disso seja possível, é possível que eu te ame eternamente, porque é de eternidade que é feito o amor.
            E quando esse dia terminar, com meu último suspiro, eu terei dito tudo o que eu precisava dizer antes de partir. Poderei te dizer que nem mesmo as estações serão as mesmas quando eu estiver lá, sobre as nuvens, porque o calor será meu jeito de te convidar para o mar, e o frio para um bom filme debaixo do cobertor. A primavera serei eu te cobrindo de flores, o outono, meu presente para tua eterna infância, um convite para pisar nas folhas secas.
            Hoje eu vou partir. Vou porque sei que não te deixarei sozinho, sempre haverá uma luz a te guiar, sempre haverá meu sopro indicando a direção, sempre haverá meu amor para cobrir todos os espaços quando sua alma doer de solidão.
            E nunca esqueça, para onde quer que eu vá, darei um jeito de te lembrar que eu jamais deixarei de te amar. Preste atenção no canto dos pássaros, no pôr do sol, na brisa suave, no gole de vinho, na chuva e no sol. Preste atenção em cada pequena coisa cotidiana, aproveite-as profundamente porque em todas elas eu estarei presente. Aproveite cada instante da sua vida a partir de agora, porque em cada um deles, encontrará um pedacinho de mim te dizendo que você jamais estará sozinho.

            Quando então você tiver vivido tudo de bom que merece viver, quando tiver se emocionado bastante com coisas bonitas, lutado por causas justas, conquistado seus sonhos e superado a fragilidade da humanidade, eu estarei exatamente aqui, do teu lado, pronta para te dar a mão e te levar de volta pra casa. E aí então, meu amor, estaremos completos outra vez.