Nos
meus tempos da faculdade de publicidade, eu era a aluna destaque, a aposta dos
professores (sorte deles que não apostaram dinheiro), tinha excelentes notas e
um desempenho geral acima da média. Já no final do curso, em uma disciplina de
produção de vídeo, o professor me chamou pra uma conversa particular.
O
professor em questão era disparado meu favorito, já tinha se tornado meu amigo
e me conhecia suficientemente bem pra reconhecer de longe minha personalidade.
Naquela ocasião, achei que levaria uma bronca porque eu realmente andava sendo
displicente na disciplina, vinha convivendo com profissionais da capital e a
faculdade já soava como algo para deixar no passado.
Pra
minha surpresa, o papo foi outro. Ele começou dizendo que me daria uma nota
acima do que eu merecia porque reconhecia meu potencial (e ele estava certo, me
especializei em roteiro e atuei fortemente em produção audiovisual depois
disso), e completou com a frase que tem martelado na minha cabeça há 13 anos: “tu
é muito inocente, precisa ter mais malandragem ou o mundo vai te engolir”.
Penso
que “malandragem” é uma espécie de privilégio que não foi concedido a mim,
porque eu não aprendi a lição. A frase segue na minha cabeça, até a expressão
facial dele me dizendo isso continua intacta na minha memória, e eu não
consegui mudar um milímetro da minha inocência.
Ao
longo dos anos seguintes nos encontramos muitas vezes, inclusive fui a
profissional convidada 3 vezes pra avaliar o trabalho final de outras turmas
dele, e ele seguia batendo nessa tecla que eu não sei ser malandra. O fato é
que ele viu o que ele previa acontecer. Ele me viu sendo engolida. Ele tinha
toda razão.
Uns
dois semestres antes dessa conversa, numa outra aula, tivemos a tarefa de
descrever um colega com algum objeto (isso acontecia bastante no curso de
publicidade, como se tivéssemos que “vender” o colega); o colega que ficou com
a missão de me descrever/vender apresentou um potinho de vidro.
Dizia
ele, de forma bastante poética, que eu era um legítimo potinho de vidro,
completamente transparente e resistente a muita coisa, mas quebrável se jogado
no chão. Antes que eu pudesse achar aquilo incrivelmente adorável, ele completou
(palavras não exatas) “vivemos num mundo de imagens, as pessoas querem de você
o que melhor as agrada, e não quem você é. Quando você é transparente demais,
não deixa margem pras pessoas imaginarem o que tem dentro do potinho como lhes
convém, e isso assusta, irrita, tira o mistério e a ilusão. Ser transparente
demais é um tiro no pé”.
Não que
eu defenda a falsidade, a mentira, as máscaras, mas ser um potinho de vidro não
traz tantas vantagens quanto parece. Não importa o quão honesta, sincera e
verdadeira eu seja, sempre, SEMPRE, vai ter quem duvide da minha índole, e isso
é fruto de uma sociedade que mais parece um baile de carnaval; o resultado é
todo um mito construído sobre a minha transparência que me leva da super
honesta pra grandessíssima mentirosa em segundos. E as pessoas acreditam nesses
julgamentos porque é mais fácil acreditar que minha transparência é falsa do
que que de fato exista alguém tão trouxa, digo, inocente.
Mas
quem nasceu pra ser potinho de vidro não se transforma em vasinho de cerâmica.
Estou exposta, estou metaforicamente nua, sempre estive, sempre estarei. Nasci
potinho de vidro e vou seguir potinho de vidro até o dia em que eu finalmente
quebrar.