sábado, 20 de agosto de 2016

Da porta

E hoje eu fecho a porta sem olhar pra trás
Porque no fundo, já não há mais ninguém
Os anos revelam que não fui capaz
Mas sei que você não foi também
Alimentamos o que não tinha como durar
Pelo teu jeito arrogante e a minha insegurança
Não há como fazer continuar
Uma história que nasce sem esperança
Fecho a porta sem olhar pra trás
Porque os sonhos que morrem não podem voltar
Há muito que o amor já não existia
Há muito nossos sorrisos amarelos queriam quebrar
Eu sabia que mentia quando dizia que em amava
Fingia com força que ainda acreditava
No fundo, meu bem, sempre soube
Que do teu coração nunca houve
A sinceridade do amor que juravas sentir
Tornou-se tão simples assim me mentir?
Esses são os últimos versos para você
Viro de costas à porta e sigo a vida
Sem perdas, nem ganhos, não me sinto perdida

E fico feliz por não te mandar se... esconder


quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Potinho de vidro

                Nos meus tempos da faculdade de publicidade, eu era a aluna destaque, a aposta dos professores (sorte deles que não apostaram dinheiro), tinha excelentes notas e um desempenho geral acima da média. Já no final do curso, em uma disciplina de produção de vídeo, o professor me chamou pra uma conversa particular.

                O professor em questão era disparado meu favorito, já tinha se tornado meu amigo e me conhecia suficientemente bem pra reconhecer de longe minha personalidade. Naquela ocasião, achei que levaria uma bronca porque eu realmente andava sendo displicente na disciplina, vinha convivendo com profissionais da capital e a faculdade já soava como algo para deixar no passado.

                Pra minha surpresa, o papo foi outro. Ele começou dizendo que me daria uma nota acima do que eu merecia porque reconhecia meu potencial (e ele estava certo, me especializei em roteiro e atuei fortemente em produção audiovisual depois disso), e completou com a frase que tem martelado na minha cabeça há 13 anos: “tu é muito inocente, precisa ter mais malandragem ou o mundo vai te engolir”.

                Penso que “malandragem” é uma espécie de privilégio que não foi concedido a mim, porque eu não aprendi a lição. A frase segue na minha cabeça, até a expressão facial dele me dizendo isso continua intacta na minha memória, e eu não consegui mudar um milímetro da minha inocência.

                Ao longo dos anos seguintes nos encontramos muitas vezes, inclusive fui a profissional convidada 3 vezes pra avaliar o trabalho final de outras turmas dele, e ele seguia batendo nessa tecla que eu não sei ser malandra. O fato é que ele viu o que ele previa acontecer. Ele me viu sendo engolida. Ele tinha toda razão.

                Uns dois semestres antes dessa conversa, numa outra aula, tivemos a tarefa de descrever um colega com algum objeto (isso acontecia bastante no curso de publicidade, como se tivéssemos que “vender” o colega); o colega que ficou com a missão de me descrever/vender apresentou um potinho de vidro.

                Dizia ele, de forma bastante poética, que eu era um legítimo potinho de vidro, completamente transparente e resistente a muita coisa, mas quebrável se jogado no chão. Antes que eu pudesse achar aquilo incrivelmente adorável, ele completou (palavras não exatas) “vivemos num mundo de imagens, as pessoas querem de você o que melhor as agrada, e não quem você é. Quando você é transparente demais, não deixa margem pras pessoas imaginarem o que tem dentro do potinho como lhes convém, e isso assusta, irrita, tira o mistério e a ilusão. Ser transparente demais é um tiro no pé”.

                Não que eu defenda a falsidade, a mentira, as máscaras, mas ser um potinho de vidro não traz tantas vantagens quanto parece. Não importa o quão honesta, sincera e verdadeira eu seja, sempre, SEMPRE, vai ter quem duvide da minha índole, e isso é fruto de uma sociedade que mais parece um baile de carnaval; o resultado é todo um mito construído sobre a minha transparência que me leva da super honesta pra grandessíssima mentirosa em segundos. E as pessoas acreditam nesses julgamentos porque é mais fácil acreditar que minha transparência é falsa do que que de fato exista alguém tão trouxa, digo, inocente.

                Mas quem nasceu pra ser potinho de vidro não se transforma em vasinho de cerâmica. Estou exposta, estou metaforicamente nua, sempre estive, sempre estarei. Nasci potinho de vidro e vou seguir potinho de vidro até o dia em que eu finalmente quebrar.