domingo, 20 de novembro de 2016

Dia de Leandra*

                Criei Leandra em março de 2016. Mas Leandra não nasceu da noite pro dia; Leandra, de alguma forma, já habitava em minha mente há muito tempo.

                Nasci e fui criada na serra gaúcha, terra de imigração italiana com total predominância branca, por isso, de certa forma, era comum que nossa convivência fosse quase que exclusiva com gente branca. Porém, as pessoas negras sempre existiram e sua exclusão se repetia por aqui.

                Como gordinha na infância (obesa hoje), fui eu a rejeitada da turma. Nesse meu ciclo de rejeição conheci a única menina negra da escola. Eu não tinha a noção exata da discriminação que ela sofria, fui entender depois de adulta que éramos ambas rejeitadas, até então eu acreditava que ela não tinha problemas em ser vista com a gorda puramente por caridade.

                Certa feita testemunhei discriminação pública daquela menina por quem eu nutria um carinho gigantesco, e foi ali que Leandra começou a nascer.

                Leandra é o resultado de muitas e muitas horas fazendo o que todos deveriam fazer: escutando e aprendendo com a vivência de quem sabe, na pele, o que é ser vítima de racismo. Eu, branca, jamais saberei, mas me despi de mim mesma enquanto Leandra contava sua história.

                É dela a caminhada. Leandra não sou eu, ela é dona de sua própria história e eu seu instrumento. É o resultado de anos de escuta, aprendizado, de reconhecimento do meu lugar na luta contra o racismo: na linha de desconstrução.

                Hoje, dia da consciência negra, homenageio Leandra como a soma de tantas histórias de dor e de luta que me circulam entre tantas mulheres e homens que já nascem precisando lutar pra sobreviver. Todas essas vozes me ensinam diariamente preciosas lições e sua dor transformou Leandra de uma simples criação à personagem mais complexa que já criei.

                Às mulheres negras da minha convivência e a tantas outras que ainda quero ter a honra de conhecer: vocês são tudo o que Leandra lutou para ser.

                Minha reverência, admiração e meu respeito.

A ilustração está assinada pelo artista, mas não consegui identificar o nome pra citar aqui

*Leandra é a personagem central e narradora do livro Histórias de Minha Morte, com lançamento previsto para abril de 2017.

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Fluffy e Pigmeia

            Congresso, aquela bagunça, gente para tudo o que é lado, cadeiras amontoadas, saquinhos de salgadinhos jogados pelo chão, refrigerante derramado e até chiclete em cima de banco. Êta, gente porca!, pensei eu ao sentar em um chiclete. Saí correndo para ver se tirava aquela bola rosa da minha bunda morrendo de vergonha. Nunca mais sento sem olhar! Vai que tem um alfinete! Ainda saí no lucro.
            Fila no banheiro, normal para um local onde umas dez mil pessoas se esmagam. E tô lá eu, segurando um papel nas costas na esperança de esconder o troço e evitar um mico maior, de repente surge um rapaz... rapaz não, um homem (e que homem), com um saco de gelo na mão.
            - Desculpe a indiscrição, mas vendo o seu problema, peguei gelo que ajuda na remoção de chiclete.
            - Safado, você olhou para a minha bu... – fui subitamente interrompida pelo meu coração que quase saiu pela boca quando olhei-o nos olhos. Que olhos! Que sorriso! Aquilo não era um homem, era um monumento!
            - Desculpe, você tem toda a razão, pelo menos aproveite o gelo.
            - Não, eu é que devo desculpas, você estava tentando me ajudar e eu sendo grosseira desse jeito.
            - Imagine, pegue o gelo e não se preocupe, não deve ser muito bom ter um chiclete colado numa região dessas.
            Peguei o saco de gelo enquanto a beldade já ia escapando. Ai meu Deus, o que eu faço prá segurar o homem, pensa rápido, pensa rápido... já sei!!!!!!
            - Me ajuda? – Ainda não sei como foi que tive cara de pau de dizer aquilo, só sei que tremia feito vara de bambu. O cara ficou me olhando e achando engraçado porque eu realmente queria ser um daqueles bichos que enfia a cara na terra. De onde foi que eu tirei coragem? Pobre rapaz, seria ainda pior para ele, ficar agachado passando gelo na minha bunda. Espero que não me dê gazes.... hahahahaha.
            - Não esperava ouvir isso. Tudo bem, eu ajudo, mas tenho uma imagem a zelar, é melhor irmos para um lugar menos movimentado.
            - Peraí! Também tenho uma imagem a zelar e sentar no chiclete já superou o limite de micos do dia! Você quer que eu fique passeando com esse troço rosa num ponto tão estratégico?? – Ai, se arrependimento matasse, o cara não tinha nada a ver, o problema era meu e eu disse isso! Burra, burra, burra! Espero que o cara não tenha um blog, se tiver, é melhor eu me lembrar de não dizer meu nome...
            - Tudo bem, eu sigo atrás de você e ninguém vai ver, pode ser? Já que vou tirar esse chiclete da sua bunda, seria interessante saber seu nome.
            - Você tem um blog? – De novo, êta, boca! Tenho que aprender a calar a boca ou pensar mais vezes antes de falar.
            - Hein? – Coitado, não entendeu nada....
            - Um blog, uma espécie de diário na internet.
            - Eu sei o que é um blog, mas o que isso tem a ver com seu nome?
            - Você tem ou não tem?
            - Não, por quê?
            - Eva.
            - O quê?
            - Eva, meu nome, Eva!
            - Paulo, prazer.
            - Paulo Prazer?
            - Não, Paulo, vírgula, prazer, em conhecer você.
            - Ah, foi mal.
            - Vamos logo, estamos perdendo a palestra.
            - Onde vamos?
            - Pensei nas salas do segundo andar, tem duas que sempre ficam vazias.
            - Ahá, andou levando garotas prá lá?
            - Não, hoje é a primeira vez que uma menina me pede ajuda pra tirar um chiclete da bunda! – Cachorro! Agora mesmo é que não penso duas vezes antes de abrir a boca!
            - Eu pedi no fim, se você não tivesse aparecido com o gelo, nada disso teria acontecido! Culpa sua!
            - Ok, culpa minha, toma o gelo e vire-se! Vou para a palestra, Eva! – Droga, droga! O cara tava indo de novo...
            - Tá, desculpe, tenho o hábito de falar antes de pensar. Foi mal, Paulo.
             Para minha sorte ele só fez cara feia (modo de dizer, lindo demais para conseguir fazer cara feia) e voltou na minha direção.
            - Vamos então, menina rebelde!
                                   *                                 *                                 *
            Dia seguinte, roupa limpa. Inesquecível nós dois sozinhos na sala de cima, eu deitada no sofá enquanto ele esfregava o gelo. Claro que o comentário dele sobre a flacidez da minha bunda não meu deixou muito contente, mas não tinha do que reclamar. Bom, último dia do congresso, cansaço total.
            Primeira palestra da manhã, aquele tumulto. Cheguei atrasada com um copo de café, já gelado na mão. Um lugar vago, lá na frente, bem no meio, que trabalheira. Pra piorar, quando eu já chegava perto do lugar, mais precisamente do lado, tive a infeliz ideia de olhar o relógio, e lá se foi meu café, no colo do rapaz ao lado...
            - Eva!? – Putz, era o Paulo, com uma linda mancha de café!
            - Paulo... foi mal...
            - Muito mal, garota desastrada! – Ele ficou brabo mesmo... coitadinho... – Vem comigo. – Ele levantou e me puxou pelo braço.
            - Para, Paulo, eu não vou sair!
            - Ah, vai sim!
            Quase entrei em pânico! Céus, ele é violento, praticamente me arrastou para fora do auditório com um ar de raiva que nunca tinha visto igual. E ainda achando que eu fiz de propósito.
            - Eva! Maldita hora que eu resolvi te ajudar! Eu daria minha vida para não ter te conhecido, tá bom?
            - Foi só um café Paulo! Eu te dou uma camisa nova! Desculpe... foi sem querer – Ah, eu sabia que as aulas de teatro seriam úteis, fiz uma forcinha e lá estava a primeira lágrima escorrendo pelo meu rosto.
            - Tá, não vai chorar agora. Desculpe a grosseria, mas essa camisa tem valor sentimental, presente da minha namorada... – Pronto, acabou a encenação. Namorada? A lágrima secou e quase gritei “bem feito”. – E ela deu pouco antes de ir para um intercâmbio de um ano...
            - Não estou interessada em saber da sua vida, me deixa em paz! – Saí correndo, ele não era pra mim, mesmo, certamente a namorada dele devia ser um mulherão e não um pigmeu como eu, lastimável.
                                   *                                 *                                 *
            “Pigmeia entra na sala”. Chat da internet, parece ridículo, mas pelo menos passa o tempo, tudo tem seu lado positivo. Nesses dias tão monótonos de férias, ajuda. Esses dias lembrei do Paulo, depois que eu saí correndo, só vi ele de longe mais uma vez, já faz mais de três meses que acabou o evento.
            “Fluffy fala com Pigmeia: oi, pqna, quer tc?” – Que simpático, Fluffy, deve ser fofinho! Só o que eu odeio é a mania de engolir letras, porque não escreve “pequena”? Não é tão difícil! Mas até que a conversa fluiu numa boa, ele até me deu o endereço do blog dele e marcamos um encontro.
            Na véspera do encontro lembrei do blog, não visitei ainda, talvez tenha uma foto dele, vai que é bonito! Chiclete era o nome do blog, como eu fui tão burra de não desconfiar! Eva otária! Era ele, cretino, cachorro! O Paulo montou um blog até com explicações anatômicas sobre o local onde o chiclete ficou colado! E ainda teve a coragem de colocar:
            “Este blog na verdade foi uma ideia de Eva, a moça do chiclete, que apesar de ser extremamente compulsiva nas palavras que usa, soube usar o raciocínio no momento em que, acidentalmente, sugeriu este blog. E digo acidentalmente porque estou plenamente certo que detendo todas as suas capacidades mentais, ela não teria condições de ter ideia tão brilhante. Não estou aqui afirmando sua ignorância, mas afirmando que ela não seria suficientemente louca de sugerir o presente espaço em sã consciência. Mesmo assim, caso ela venha um dia a visitar esse espaço, obrigado, Eva, por proporcionar, do seu jeito, esse espaço de tamanha diversão para mim e demais internautas. Bj, Paulo”.
            Ah, mas o coitado não perde por esperar, eu tenho uma carta na manga. Fluffy! Só pode ser broxa! O problema todo é que os olhos dele acabam comigo, não consigo brigar com alguém de olhos azuis... e sorriso angelical... e porte de homem maduro com cabelos negros num corte rebelde... CHEGA EVA! O cara é um canalha, vai ter que ter troco.                                     *                                 *                                 *
            Copo de café na mão, tudo pronto, lá vem Paulo todo contente para o encontro com a pigmeia, chegou a dar pena. Respiro fundo.
            - Meu Deus, desculpe! – E foi-se mais um copo de café! Hahahaha
            - Eva? – A cara de surpresa foi espetacular!
            - Paulo? Nossa, que desastre... desculpe...
            - Tudo bem, deixa assim, é só uma camisa. Como você está? Faz tanto tempo! – Ai, minha consciência, essa doeu...
            - Vivendo, né!? E você?
            - Eu... tô solteiro, minha namorada arranjou um austríaco halterofilista....
            - Puxa, que pena, lamento.
            - Eu não, conheci uma menina pela internet, um doce, vim aqui conhecê-la ao vivo. Sabe que eu gostaria até que fosse você, tô muito nervoso e sendo você seria mais fácil de desenvolver uma conversa! – Ai, se arrependimento matasse... ele tá feliz em me ver! Era algo que eu não esperava.... – A vantagem de ser outra pessoa é que ela pode se uma deusa, carne fresca! – Cachorro, e eu cheguei a ficar com peso na consciência...
            - Boa sorte então! E passar bem! – Toda cheia de mim, empinei o nariz e saí sem olhar para trás, agora sim estava furiosa. Quando eu tava na esquina lembrei do blog e voltei. – Escuta aqui, Paulo, quem você pensa que é para colocar aquele bagulho na internet!? Você me ofendeu! Não tinha esse direito, por mais que eu tenha agido errado com as grosserias do chiclete no congresso, não fui tão agressiva, e o café foi puramente acidental!
            - Como esse de agora, pigmeia? – Choque, o chão saiu de baixo dos meus pés...
            - Você sabe...
            - Claro que eu sei, Eva, não sou tão idiota! Você me escreveu sua biografia naquele chat, lógico que eu percebi que era você! E vim de roupa velha porque achei que você ficaria furiosinha com o meu blog.
            - É essa imagem que você tem de mim? Uma menina histérica que derrama café quando fica braba?
            - Sim... essa é a imagem que você me passou, desculpe...
            - Você está errado, Paulo! Você não me conhece, tá!? – Agora não é encenação, eu chorei de verdade. – O primeiro café foi um acidente, eu tropecei e caiu o café em você...
            - Desculpe interromper seus lamentos, mas essa não é a verdade, você não tropeçou, eu estava observando você, você simplesmente virou o café em mim. – Ele tinha um pouco de razão, eu lembro que não tropecei, eu fui olhar o relógio, que tinha passado para o lado de dentro do pulso, ou senão teria virado o café em mim mesma. Mas ele não ia acreditar e nem tinha razão pra isso, ele não me conhece mesmo.
            - Tá, você tem razão, mas juro que não foi proposital, fui olhar o relógio. Nem tinha visto que era você... sou desastrada mesmo, sou um caos... – A essa altura eu já parecia um bebê, que escândalo! O fato renderia horas de reflexão sentindo-me uma legítima idiota.
            - Tá, sem dramas, para de chorar que tá todo mundo olhando. Mas realmente acreditei que tinha sido uma vingança sua por causa do comentário sobre a sua bunda.
            - Tá certo que até que você merecia, mas não queria estragar sua roupa de valor sentimental, nem parecer que me abalou o seu comentário, afinal, tem quem goste! Mas no fim te fiz um favor, estraguei a blusa da safada que te trocou pelo halterofilista!
            - Bom... eu não sou perfeito. – Ih, ele baixou a cabeça e ficou vermelho, alerta, tem algo de errado!
            - O que foi?? Fala, fala!
            - Calma! E grita baixo! A verdade é que não tinha namorada na época, e a roupa não tinha valor sentimental, falei aquilo porque achei que tinha sido proposital e queria deixar você arrependida do seu ato!
            - E conseguiu, acabo de me arrepender de não ter feito de propósito mesmo! Agora eu não entendo, você fica furioso comigo, jura que não quer me ver nem banhada a ouro...
            - Opa, eu nunca disse isso, Eva!
            - Não me interrompe! Continuando, depois de me odiar acima de tudo você ainda quer se encontrar comigo? Se você sabia que era eu no chat, porque fez questão de marcar esse encontro?
            - Jamais te odiei, não fale asneira....
            - Vamos, tire a máscara, você quer aprontar comigo, faça logo!
            - Agora você não me interrompe! – A gritaria chamou a atenção das pessoas que passavam na rua, meu Deus, que mico, nós dois aos berros na frente de uma cafeteria no centro da cidade... – Não quero aprontar nada com você, porque eu já o fiz! No dia que você sentou no chiclete, fui eu que coloque o chiclete na sua cadeira. Tá certo que a culpa não é só minha, foi imprudência sua sentar sem olhar, mas caiu direitinho no meu truque, arranjei uma desculpa para olha a sua bunda e foi melhor ainda quando você me pediu ajuda e eu pude apalpá-la!
            Fiquei completamente sem reação, qualquer um ficaria, confessem, só que o meu problema não era nem o fato de ele estar revelando que todo aquele meu constrangimento no congresso foi proposital, o problema era ele estar falando aos berros que queria apalpar minha bunda na frente de umas 50 pessoas que nos cercavam. Pensa rápido, estúpida, preciso de uma boa resposta, nem que seja só pela minha autoafirmação e sair por cima diante do público.
            - Você queria apalpar minha bunda, é seu cachorro! Pois eu também quero apalpar a sua! – Xxiii, péssima ideia... a cara dele e do público foi de pena de mim, “que menininha idiota, deve ter só dois neurônios na cuca...”. Que ódio, porque eu tenho que ser assim! Pensa rápido de novo, só tem um jeito de sair dessa.
            - Eva... não entendi...
            - Cala a boca e me beija! – Me escapei bem, muito bem!
            - Que isso????
            - Um beijo, não notou? Paulo, acabei de “tocar a sua sineta” com a minha língua!
            - Dããã, isso eu notei, flor, mas quem te deu essa liberdade?
            - Você está me dando indiretas faz tempo! Agora vem com essa! Ainda bem que eu nem gostei, você parece um boneco de borracha, péssimo beijo!
            - “Cala a boca e me beija”, essa vai pro blog! – Ai, ele provocou!
            - Seu miserável, te odeio! ODEIO! Nunca mais cruze o meu caminho, esqueça que eu existo!
            - Sem problemas, não quero mesmo uma mulher neurótica na minha vida, que faz tudo errado e fala sem pensar!
            - Ótimo, estamos de comum acordo, porque também não quero um homem que dá um jeito de colar um chiclete na minha bunda só para passar a mão! Safado tarado, se você fez isso sem me conhecer, imagina se me conhecesse!
            - Justamente! Fiz porque não te conhecia, se te conhecesse, faria questão de manter distância!
            - Mentira! Tanto é que marcou um encontro sabendo que a pigmeia era eu! E quer saber do que mais, você certamente é um broxa frustrado, sempre engomado e usa o nick de fluffy na internet. Macho você não é!
            - Não ando engomado, eu simplesmente tenho bom gosto! O Fluffy foi porque entrei no chat só para me divertir, não procuro namorada na internet, me garanto ao vivo, você que o diga! Não se controlou e me agarrou!
            - Brooooxa! – Ah, toquei no ponto! 1 a 0 prá mim!!! Finalmente!!!
            Dessa vez foi ele que me pegou de jeito. Ai que homem formidável, que beijo, que boca, que hálito, que braços!
            - Me solta, seu porco imundo, leva esse bafo de onça pro diabo que te carregue. Adeus, Paulo, espero nunca mais te encontrar!
            - Quer saber? Também te odeio e quero distância de você!
                                   *                                 *                                 *
            - Paulo, cuidado! – Dessa vez foi ele que quase estragou tudo.
            - Desculpe Eva, foi sem querer, sorte que não chegou a pingar em você! Se fosse o contrário certamente eu entraria na igreja ensopado de café!
            - Cala a boca, cachorro! Acontece que eu estou de vestido branco!
            - Não diga! Não sabia que noivas se vestiam de branco e, levando em consideração que estou sem óculos, nem percebi que você estava de branco!
            - Você não usa óculos!
            - Eu sei, baby.
            - Ai, seu... seu... eu te odeio!
            - Eu também!
            Descemos do carro, um de cada lado e entramos na igreja sem olhar um para o outro, mas nenhum dos dois era louco de viver sem o outro, o “sim” foi inevitável.
            - Te amo, Pigmeia!
            - Te amo também, Fluffy... mas você tem que concordar comigo que esse nick é coisa de broxa!
            - Vai começar de novo, Eva, nem na lua de mel eu não escapo da tua mania de falar sem pensar!
            - Cala a boca, Paulo! Não enche!
            Isso foi ao mesmo tempo que ele me jurou que era inocente do lance do chiclete, que assumiu a culpa pra me provocar. Entre um cutucão e outro, ainda fomos felizes para sempre... nosso ódio cruzou a barreira e rendeu dois filhos, umas quatro toneladas de chicletes e uns trinta mil litros de café.