"Em menos de dez minutos, Júlia já desfrutava seu tão desejado banho, achando graça ter Toni a sua espera com apenas uma parede de distância. Enquanto a água encharcava seu corpo, começou a visitar Toni em pensamento, lembrando de seu rosto, seus olhos, seus cabelos, e percebeu que Toni não era somente aquele homem mais velho, ex-chefe de seu irmão, mas um homem atraente e desejável, e ela também não era mais a menina de 16 anos da época em que se conheceram, naquele baile de carnaval, agora Júlia já era uma mulher. O pensamento lhe provocou riso, mas também um arrepio estranho, e uma sensação quente que sentira poucas vezes na vida, e somente na presença de Lucas.
Passava suavemente o sabonete em seu corpo nu imaginando com diversão como seria se, subitamente, Toni entrasse no banheiro naquele momento. A porta estava destrancada, nada era impossível. A água massageava seu corpo enquanto as mãos, as suas próprias mãos, exploram seu íntimo, fazendo-a ter uma vontade quase insuportável de chamá-lo para acompanhá-la, era totalmente inexperiente, mas seus instintos lhe indicavam passo a passo a direção."
Histórias de Minha Morte
“Eu era um cadáver.
Meramente um pedaço de carne jogado no chão da cozinha sem nenhuma dignidade
porque a blusa, claro, tinha que subir, revelando um par de seios que sempre me
mataram de vergonha (antes que me pergunte, não foi de vergonha deles que
morri, embora fosse um bom motivo). Como somos patéticos olhando de fora.
Finitos, falhos. Mesmo eu, uma jovem de 25 anos, era tão somente uma embalagem
descartada. Nada ali serviria mais. Acabou. Puff. A vida realmente é algo
esquisito porque ela acaba do nada e nos transforma em um nada palpável que,
depois de um tempo vai se transformando em um nada podre e fedorento.
E agora eu estava lá, do lado de fora, esperando as
flores e elas não vieram. Nem vovó. Que saudade de vovó. Nem mamãe. Nem
qualquer pessoa que pudesse me acolher ou, no mínimo, me explicar o que estava
acontecendo. Pelo menos agora eu já era capaz de lembrar coisas que já tinham
sido minha razão de viver. É cruel se ver não lembrando das pessoas amadas ou
do seu próprio nome, é como se, além da vida, tivessem te arrancando sua
história também, que no fim é tudo o que você realmente tem, não é?”
Versos e Outras Insanidades
A marca
Havia a marca.
Não era profunda, ou pelo menos não mais.
Aquela marca não estivera lá desde o abandono do ventre
materno, mas estava a tempo o bastante para se perder nos vãos de sua
lembrança.
A marca não era necessariamente feia.
Ela apenas destoava de sua pele pessegada de menina moça que
parecia se recusar a envelhecer.
Era salmão. Levemente rosada, num tom desbotado de pele que
morreu sem nem saber porque.
A palidez da marca lembrava mesmo a morte.
Sabia que outrora, sabe-se lá quando, a marca cedia espaço
para células vibrantes. E agora a marca era como o mármore de uma lápide
abandonada.
Não ganhava flores nem homenagens.
A marca estava lá e lá ficaria. Células não revivem dos
mortos.
Havia a marca.
Apenas uma marca numa pele pessegada que se recusava a
envelhecer.
A marca era um atalho do nada ao lugar nenhum.
A marca era uma pequena estrada deserta em um corpo tomado
de tormenta.
A marca era uma placa de aviso que ali não havia mais sangue
circulando entre os túmulos desbotados das células que morreram.
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